domingo, 25 de novembro de 2012

A impossível Capela Sistina

A Criação de Adão (afresco da Capela Sistina, Vaticano) - Michelângelo Buonarroti


Michelângelo Buonarroti levou 4 anos para finalizar o teto da Capela Sistina. É possível que esta seja a grande realização artística da humanidade. Logo, é de se imaginar o esforço e a concentração de energia do artista para a produção de uma arte de imensa magnitude. A questão é: você, homem moderno, seria capaz de direcionar toda sua força, e por tanto tempo, a uma obra, seja ela qual for?

Não raras vezes perguntamo-nos por que a civilização contemporânea, em que pese o aparato tecnológico disponível, é tão pobre artisticamente, em comparação aos períodos históricos passados. Não há hoje um único gênio da grandeza de um Leonardo da Vinci, Shakespeare, Rembrandt, Chopin, Rodin, Dante Alighieri, Beethoven etc. Ao menos, não o há em relevância produtiva (pode haver, sim, um potencial artístico inexplorado). Uma das razões apontadas é justamente quanto ao fato destes gênios anteriores terem praticamente esgotado as formas de representação cujo encantamento pela beleza é despertado a um nível extremado por meio dos nossos sentidos. Ou seja: mesmo havendo um gênio hoje, ele estaria sufocado criativamente, porquanto impossibilitado a despertar sensações de comparativa relevância por meios originais, somente pelo fato de não haver mais novos paradigmas a ser construídos que equivalham em beleza às construções anteriores. Não descartando essa hipótese, acredito em outra razão para tal fenômeno: as facilidades tecnológicas tiram a atenção que um artista deve direcionar a uma obra, a fim de que ela seja grandiosa.

O mundo atual é fascinante pela capacidade de informação cada vez mais crescente de que dispomos com uma facilidade de acesso impressionante. São necessários alguns cliques em um computador para nos informarmos a respeito de quaisquer fenômenos que a humanidade conhece. E essa é a forma ativa de processamento de informação! Passivamente, somos bombardeados de novas informações somente ao ligarmos aparelhos tais como a televisão e rádio. Voltando à computação, podemos simplesmente armazenar informações em um HD, seja interno ou externo, prescindindo do cérebro para tal função. Isso é realmente incrível, mas é devido também a tal circunstância que o homem moderno é simplesmente incapaz de produzir obras de extrema profundidade. Em um primeiro plano, porque se distrai facilmente com as mais variadas informações, perdendo grande parte do seu tempo que poderia ser direcionada à feitura de uma produção artística. Em um segundo plano, porque a possibilidade de ter um verdadeiro extensor cerebral o torna destreinado para armazenar aquilo que interessa, por mais paradoxal que isso possa parecer. O que deveria facilitar é a causa para a inaptidão à grandiosidade! O desuso do cérebro o atrofia e faz com que se torne preguiçoso, quando instado a produzir em um nível de extrema complexidade. É necessário um denodo de Michelângelo para construir uma obra-prima! É realmente comovente imaginar como deve ter sido a vida deste homem durante os 4 anos em que pensou, comeu, trabalhou e dormiu a arte que estava construindo. Será que ele a faria, se tivesse de responder um e-mail, acessar o Facebook, perder-se no Google, informar-se no Wikipedia, assistir a uma série de TV para relaxar? Uma pessoa moderna, com esta gama de possibilidades que a tecnologia o traz, simplesmente não consegue se dedicar desta forma a uma realização qualquer. Estamos aqui tratando de arte, mas poderíamos tranquilamente estender a outras atividades humanas, tais como o pensamento científico e filosófico. O último grande gênio fora Einstein, e em sua época, início do século XX, não havia essa profusão de informações que temos hoje.

Não podemos desmerecer as obras atuais, mas é notório que há um abismo qualitativo nesta ingrata comparação com o passado. Ingrata, sim, pois somos mais críticos em relação ao período em que vivemos – faço agora um mea culpa. Tampouco podemos dizer que nenhum homem moderno é capaz de escapar a essa regra. Sempre há exceções! É possível, sim, que haja alguém talentoso e obstinado o suficiente para concentrar toda sua energia em prol de uma grande produção. De qualquer forma, não acredito que uma obra atual, feita sem essa obstinação de um Buonarroti, sobreviva ao tempo assim como as clássicas chegam até nós intactas. Não há nada como o passar do tempo, para a medição de qualidade de uma obra de arte. Terá a modernidade produzido algo grandioso, a não ser as próprias tecnologias, que parecem impedir o desenvolvimento de outras realizações profundamente? Será que a era de Steve Jobs não comporta um Michelângelo, para lhe dar beleza? Só o futuro dirá!

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A função social do palavrão




O palavrão, além de designar palavras extensas, é conceituado como uma expressão de baixo calão, geralmente com tom ofensivo. Por tal natureza, é costumeiramente repreendido o seu uso, sendo o sujeito educado, desde infante, a não o proferir em público. Porém, por mais deselegante que possa parecer a sua utilização, é inegável que o palavrão cumpre uma fundamental função social!

Ora, e qual seria a função social do palavrão? Simplesmente todas ligadas à manutenção da sanidade mental, o que implica em uma propensão à sadia relação do ego com o meio social.
Imaginemos uma cena corriqueira, tal como um quase acidente entre carros. Passado o susto, é comum verificar que ambos esbravejam e soltam o vasto repertório de palavras ofensivas, independente da culpa de um ou outro para aquele ato. Até o arrefecimento dos ânimos, segue-se o palavreado. E se o sujeito não soltasse essa raiva mediante as palavras, o que poderia ele fazer? Das duas, uma: ou ele chegaria às vias de fato em todas as oportunidades, ou ele seguraria isso consigo, até que não fosse mais possível manter-se são. Como poderia alguém tocar a sua vida, se todas as raivas fossem acumuladas? Daria pane no sistema, sem dúvida.

Além disso, o palavrão tem o condão de aproximar as classes sociais. Todos são idênticos, ao soltarem tais verbetes! Não há distinção de vocabulário, aí! Todos reconhecem um filho da puta, não? Agora, quantos reconhecerão um sacripanta? Imaginem uma cena na qual alguém te passa a perna. O que tu dirias? “Mas que sacripanta”? Ou, “mas que filho da puta”? A última, com certeza, condiz mais com o grau de sua indignação perante a trapaça da qual foi vítima. Não à toa que todos a utilizam, em detrimento do pudor.

Um cenário perfeito e que realiza essa função social com louvor é o estádio de futebol! Em que pese alguns arruaceiros que fazem de tudo para estragar o espetáculo, o estádio é frequentado pelas ditas “pessoas de bem”. Não gosto de maniqueísmo, mas vamos aceitar como “pessoas de bem” aquelas que se mantêm dentro dos limites aceitáveis de convivência social, que não transgridem seriamente as regras da esfera criminal e civil. Pois bem. Quase todas as pessoas desse espectro (não vou dizer todas, pois sempre há alguém demasiado purista – geralmente é um chato de galocha, mas deixa pra lá) soltam os mais variados palavrões, seja em direção ao árbitro, adversário, técnico ou a algum jogador ruim do próprio time. É como se fosse uma bolha social em que se permite tal comportamento, a fim de que as pessoas retornem ao cotidiano mais leves. O futebol é uma ferramenta completa de controle social, e muito devido a isso.

Outra característica do palavrão é quanto ao fato dele ser aceito em piadas e nos atos sexuais. Como é fácil perceber, tratam-se de ambientes transgressores, no bom sentido. A piada só é engraçada quanto transgride o bom senso, e o sexo é melhor na medida em que é mais proibitivo e privado. E o palavrão surge como um instrumento eficaz para a satisfação de ambos nichos. Assim como nem toda piada tem palavrão, nem todo sexo conta com palavras picantes e proibidas. Mas quando damos mais risada? E quando nos excitamos mais? Para bom entendedor, poucas palavras bastam...

Desta forma, sugiro uma reflexão: que tal darmos mais valor ao palavrão? Em vez de nos fiscalizarmos, como se fôssemos patrulheiros da moralidade, por que não nos soltarmos e permitirmos a sua utilização com tranquilidade? Palavrão é tudo de bom! Palavrão salva vidas! Salve o palavrão!

terça-feira, 11 de setembro de 2012

O homem coadjuvante

Michael Collins - astronauta americano e tripulante da Apollo 11, que não pisou na Lua


A sociedade humana reserva poucas vagas para o protagonismo, conforme se verifica em uma observação atenta de nossa história. Isso se explica, em grande parte, pelas diferenças naturais entre os indivíduos, sendo que, dentre todos, apenas alguns possuem habilidades distintas o bastante para que mereçam um destaque, o que gera a idolatria e o grau de influência sobre os demais. Porém, em alguns casos, o sujeito não alcança tal destaque tão somente por detalhe, seja por azar ou por ser, naquele momento, necessário o papel de coadjuvante, mesmo que habilidoso o suficiente para ser a grande estrela do show.

Um dos grandes protagonistas da humanidade foi, certamente, o astronauta Neil Armstrong, cuja notoriedade se deu por ter sido ele o primeiro homem que pisou na Lua. Embora, com razão, ele negasse a alcunha de herói, inevitavelmente ele se tornou símbolo máximo da capacidade humana para grandes feitos. Ao lado dele, porém, estiveram Buzz Aldrin e Michael Collins. O primeiro é relativamente citado, lembrado de vez em quando. O último, ao contrário, é simplesmente esquecido! E isso tem explicação: Collins foi o único dos três que não pisou na Lua. Para que o homem atingisse o feito de estabelecer suas pegadas em solo lunar, nas figuras de Armstrong e Aldrin, era necessário que alguém pilotasse o Módulo de Comando, o qual ficara em órbita do nosso querido satélite, a fim de que todos pudessem regressar à Terra.

Quer coisa mais ingrata do que estar do lado da Lua e não poder saltitar sobre o seu solo? E mais: com uma viagem de volta na companhia de duas pessoas que tiveram a grande satisfação de serem os primeiros seres vivos a realizar tal feito. Evidentemente, Collins sempre se mostrou orgulhoso de fazer parte desta equipe e de insculpir o seu nome na história, como um dos tripulantes da mais audaciosa viagem humana. Porém, penso ser, em seu íntimo, bem possível que tenha havido uma tremenda frustração por estar ao lado do pote de ouro sem que pudesse ao menos tocá-lo. Ao mesmo tempo, é de se notar que, não fosse a sua presença, seria impossível tal feito, sendo de indubitável relevância a sua participação. Contudo, ao chegar na Terra, o que ele viu foi uma coroação de seu colega Neil Armstrong, como se ele fosse o grande e único herói da missão, a despeito dos outros dois tripulantes e dos milhares de funcionários da Nasa que trabalharam duro para o sucesso da viagem. Aliás, diga-se de passagem: quando digo milhares, em relação à Nasa, são milhares mesmo! Havia 400.000 funcionários à época do voo.

Não pretendo criticar a humanidade por buscar um protagonista para suas conquistas, mas meramente atentar para essa característica que nos é peculiar, bem como para o fato de que, sem os coadjuvantes, não é possível a realização dos grandes feitos. A primeira ida do homem à Lua, em 1969, retrata perfeitamente a desigualdade humana: um brilha, um quase brilha, um é apenas lembrado e milhares sustentam aqueles que estão no topo da cadeia. Em proporção, espelha perfeitamente o nosso cotidiano e o funcionamento da vida em sociedade.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

O planejador caótico ou o caos planejado?


Nebulosa Helix - conhecida por leigos como "O Olho de Deus"


O homem tem como uma de suas principais características a constante reflexão acerca de sua existência, do sentido da vida e da criação do Universo. Por trás dos conceitos que decorrem destas indagações, há o conflito de duas hipóteses primordiais, quais sejam: tudo isso é planejado ou os fatos são meras sucessões de casualidades em meio ao caos? A partir desse questionamento é que criamos conceitos, dogmas, preconceitos e teses científicas, religiosas ou filosóficas.

Ao analisarmos a história das civilizações, deparamo-nos com uma constante entre os homens que tende radicalmente para a primeira hipótese (tudo é planejado), considerando a construção religiosa em quaisquer tribos primitivas, a partir dos registros cuneiformes, hieróglifos etc. Isso não comprova a verdade desta hipótese, mas escancara, sim, a tendência humana em crer no planejamento divino para as ocorrências mundanas.

Observa-se que há uma tendência de evolução teológica em quaisquer sociedades, partindo quase sempre de um panteísmo, perpassando por um estágio politeísta e, ao cabo, redundando em uma fase monoteísta. Ao mesmo passo, é de se notar que tal evolução acompanha o progresso científico dessas sociedades. Na fase panteísta, por exemplo, todas as ocorrências naturais são consideradas manifestações divinas diretas. A partir de um momento em que a sociedade evolui a um ponto em que observa o caráter natural de determinado fenômeno, um passa a questionar o dogma vigente. Instalada a crise, decorrem-se muitos anos até que aquela sociedade avance de estágio. Normalmente, parte-se para uma visão politeísta, havendo vários deuses funcionais e que são encarregados pelas diversas manifestações terrenas (nota-se que diverge do sistema panteísta, pois neste os próprios fenômenos são deuses). É possível, não obstante, haver uma passagem direta ao monoteísmo, o que é bastante incomum na história das civilizações. O ordinário é o monoteísmo substituir o politeísmo, que acaba desgastado pelo incremento tecnológico da sociedade, com o qual alcança uma construção científica mais apurada, denotando a independência dos fenômenos em relação aos deuses.

Entretanto, a ciência possui limites bem claros e dela não se espera uma perfeita resposta para os dilemas apresentados. O máximo que o sistema científico pode propor é a falsidade de determinadas proposições filosóficas e/ou religiosas, mas jamais suas integralidades. A ciência, por mais que se aprimore, parece que sempre deixará a lacuna da divindade aberta. Contudo, é notório que essa lacuna está cada vez mais estreita, tendo em vista alguns baques ao status quo estabelecidos a partir de teses científicas revolucionárias, tais como o sistema heliocêntrico de Copérnico (já levantado, primitivamente, por Aristarco de Samos, na Grécia Antiga, cujo sistema fora derrotado pelo entendimento geocêntrico anterior de Aristóteles e, posteriormente, modelado por Ptolomeu, na obra Almagesto), o suporte observacional de Galileu e Tycho Brahe ao heliocentrismo, as leis do movimento planetário de Kepler, a teoria da evolução de Darwin e a teoria inflacionária do Universo (Big Bang), de Lemaitre, Gamow e Alpher.

Tais teses, em primeiro lugar, retiraram a Terra de uma posição central, deslocando-a para um ponto insignificante de orbitação. Em segundo lugar, no caso da teoria da evolução, houve o fim do antropocentrismo, a partir de uma concepção de vida que retira o caráter especial do ser humano, sendo tal espécie resultado de um processo evolutivo bem definido, em que compartilhamos um ancestral comum com os símios. Em terceiro lugar, em se tratando do Big Bang, caracterizou-se a explicação para a origem do Universo, bem como para sua expansão observada, anteriormente, por Hubble. No que tange à religiosidade, a polêmica reside na explicação absolutamente independente da mão divina, assim como contradiz o livro Gênesis da Bíblia. O sistema religioso, depois de muita grita e sangue (Giordano Bruno, astrônomo heliocentrista do final do século XVI, foi vítima da Santa Inquisição Católica, por exemplo), acabou aceitando o baque astronômico, reformulando a readaptando os respectivos dogmas. Contudo, até hoje as religiões monoteístas, principalmente as ligadas ao cristianismo, não aceitam a teoria darwinista e o Big Bang, em que pese as mais variadas comprovações da existência de um sistema evolutivo biológico muito próximo, ao menos, do previsto por Darwin, bem como as evidências astrofísicas do modelo inflacionário se somarem cada vez mais. É evidente que não as aceitam devido ao fato de que tais teorias estabelecem um papel secundário ao homem, bem como induz a uma desordem na origem da vida e do Universo, o que não seria admitido em um planejamento divino.

Mesmo considerando tais teses científicas, ainda sim é temerário, se não mentiroso, afirmar que a ciência pôs fim ao problema proposto por nós. Enquanto houver lacuna, é possível admitir a existência de entes divinos. O homem, quando se posiciona sobre o tema, está invariavelmente escolhendo um dogma, seja religioso ou filosófico. Não há falar em dogma científico, pois a epistemologia da ciência não permite tal construção. Quando um sujeito usa do conhecimento científico para se posicionar a respeito de um tema sobre o qual a ciência não pode dar respostas definitivas, ele está, na realidade, construindo um dogma filosófico. O sujeito que usa da teoria darwinista para defender seu ateísmo está se utilizando da filosofia naturalista, na maioria das vezes. Queira ele ou não, trata-se de uma construção dogmática (e, pode ter certeza, isso dói nele – bem sei disso, hehe). Do mesmo modo age aquele que se utiliza de uma explicação religiosa para tais hipóteses originárias: está a estabelecer um dogma religioso como verdade.

Considerando o exposto, não podemos falar que há vantagem em quaisquer posicionamentos a respeito do dilema inicial, havendo um grau de subjetividade considerável em sua elaboração, a partir de experiências de vida próprias a cada um, que acabam definindo o nosso modo de pensar e de construir uma lógica acerca do tema. Ninguém sabe se há planejamento ou se tudo é resultado do caos. Tudo o que podemos fazer, a partir da concepção de nossa instigante ignorância, é buscar planejar a nossa vida em meio a esse caos. Ou bagunçá-la um bocado, para sairmos dessa rotina constantemente planejada...

terça-feira, 22 de maio de 2012

O monólito de Kubrick







ATENÇÃO: Há Spoiler neste texto. Quem não viu e não deseja ter estragada a surpresa, favor ir urgentemente assistir a esta obra-prima.


Trata-se da grande obra-prima da ficção científica, e talvez do cinema como um todo, 2001: A Space Odissey (2001: uma Odisséia no Espaço), de Stanley Kubrick, cujo roteiro foi escrito pelo grande diretor em conjunto com Arthur C. Clarke, que também lançou o livro homônimo no mesmo ano de 1968, finalizando um projeto idealizado por ambos desde o início daquela década. Enquanto Clarke possuía o incrível dom de criar cenários criativos e verossímeis, sob o ponto de vista científico, através da palavra escrita, Kubrick tinha como característica notável o fato de ser um exímio compositor de cenas soberbas e tecnicamente perfeitas, quanto ao cinema, sempre buscando o arranjo da trilha sonora ideal à movimentação de imagens. Logo, nota-se que esse casamento não poderia redundar em nada menos do que na grande obra do século (ao menos, é a obra que sintetiza com perfeição o estado humano contemporâneo, na sua relação incipiente com as novas inteligências, o novo conceito de território e exploração do espaço, bem como a presença de velhos dilemas e a velha curiosidade diante do inusitado e desconhecido).  

O início da obra é denominado como “A Aurora do Homem”, em que se apresenta a relação do homem primata com a natureza, cujos desafios impostos exigem o avanço da inteligência, a fim de que seja possível dominar aquele habitat hostil. A tribo desses ancestrais comuns aos símios é demonstrada como frágil, sucumbindo diante das feras, como na cena do ataque de um felino a um indivíduo. O que gera a mudança, então? Um estranho monólito encravado no cenário desértico da África, cuja origem se deduz alienígena, mas que em nenhum momento do filme se mostra (aliás, uma bela sacada!). Os primatas demonstram curiosidade pelo novo e, ao mesmo passo, relutam em tocá-lo. Através dessa experiência transcendental, os hominídeos passam a utilizar as ossadas como arma, a partir de um insight primitivo de um dos indivíduos, em que ele percebe o efeito do choque do osso sobre os demais objetos. Desta forma, aquela tribo conseguiu caçar com mais eficiência, bem como introduziu uma vantagem tecnológica em relação às demais tribos, concorrentes aos recursos escassos daquela região, com o uso dos ossos para fins bélicos. O filme sugere, portanto, que o monólito foi o motor do conhecimento, sendo responsável pelo grande passo dado pelos primatas. 

Falando em grande passo, Kubrick deu um salto gigantesco no tempo, numa cena que, com certeza, está entre as mais brilhantes de toda história do cinema. Em uma vitória da tribo desses hominídeos, um dos indivíduos, festejando a conquista, solta o osso no ar. Com a câmera registrando o movimento do osso, em sua queda, dá-se um corte imediato para uma imagem no ano de 2001 (ou seja, para o futuro distante em relação a 1968, ano do filme) de uma espaçonave, similar em forma ao osso, se locomovendo no espaço sideral, ao som de “O Danúbio Azul”, de Johann Strauss II. As palavras não bastam para descrever esse take! É de uma genialidade soberba! De um gosto e sentido estético absurdamente acima da média. Tão somente por esta cena, Kubrick resume a essência do cinema, em que pese haver uma dezena de cenas neste filme que poderiam muito bem cumprir tal papel. 

Esta seria, digamos, a segunda parte do filme, embora não seja introduzida por legenda, como nas demais. Após o maravilhamento daquela cena anterior, somos introduzidos na nave, em que nos é mostrado o cenário Kubrickiano (como em outros grandes filmes do diretor, nota-se um cenário com muito espaço, móveis assimétricos, dotados de cores extravagantes, causando uma sensação de que vivemos num futuro em que a estética de vanguarda predomina, numa substituição aos padrões clássicos, denotando a peculiaridade daquele momento vivido, bem como o império da insanidade. É assim em Clockwork Orange e em The Shining, só para citar os exemplos mais óbvios), a partir de um diálogo um tanto quanto confuso de dois agentes espaciais. Logo se percebe que Dr. Floyd, um dos agentes do primeiro diálogo do filme, possui um cargo de prestígio, bem como detém consigo informações de extrema relevância para a trama. Antes disso, porém, é importante ressaltar uma cena: o momento em que ele entra na cabine telefônica para se comunicar com sua filha. Vê-se o gênio premonitório de Kubrick em ação, pois eles se comunicam por um sistema de videoconferência. Ora, nada mais é do que uma tecnologia precursora do Skype! Brincadeiras à parte, de fato há aí uma bela demonstração da capacidade criativa deste diretor. Se não era possível em 2001, foi possível em meados da primeira década do presente século! Voltando à trama, Dr. Floyd, que naquele momento estava na Estação Espacial Internacional, tem como objetivo ir à Lua, a fim de se reunir com uma seleta cúpula, a respeito de uma descoberta revolucionária em solo lunar. 

É necessária, porém, mais uma pausa! Como passar batido pelas cenas primorosas dessa viagem feita da Estação Espacial à Lua? A primeira delas é de uma sutileza incrível e nos dá sinais do denodo de Kubrick ao realizar a película. Dr. Floyd está dormindo e sua caneta se lhe escapa. Por estar em um ambiente sem gravidade, a caneta flutua no ar, como se estivesse dançando a mais bela valsa de Strauss. Eu lamento muito deter a informação de como Kubrick filmara tal proeza (lembrem-se que naquela época não havia computação gráfica!), pois assisti ao “making of”, sendo que lá há a explicação de como o diretor a realizara. Lamento, sim, pois o meu arrebatamento diante da cena não permitia que eu tomasse conhecimento de como procedera o diretor. Eu preferiria imaginar que aquilo se tratasse de mágica! Essa é uma das grandes cenas que eu citara anteriormente. Somente um gênio se atentaria a isso. Coisas de Kubrick...Bom, voltando à cena, a caneta é recolhida por uma espécie de aeromoça. Esta, após, se dirige, e aí entra a segunda cena, à cabine dos astronautas, a fim de lhes servir a refeição. Porém, para chegar até lá, ela necessariamente tem de ficar de cabeça para baixo (em relação ao referencial da câmera, pois não há cima e baixo em um ambiente de gravidade zero) para que possa adentrar o recinto. Novamente, temos um diretor perfeccionista que busca o máximo de recursos para nos transmitir a ideia efetiva de que estamos visualizando algo peculiar ao movimento no espaço. A cena é, novamente, espetacular!

Ao pousar na Lua (é evidente que há outras cenas embasbacantes neste meio tempo, mas vamos avançar), na reunião, finalmente, se revela o segredo: foi descoberta uma evidência de vida inteligente fora da Terra. Como se descobriu? A partir da constatação de um bizarro campo magnético partindo da cratera Tycho (em homenagem ao astrônomo Tycho Brahe – 1546 a 1601 – cujo maior legado foi o método de observação dos astros, resultando suas próprias observações em dados que serviram a Kepler, para que este formulasse as Três Leis do movimento planetário). Ao escavarem-na, descobriu-se um monólito, idêntico ao retratado na era primitiva do homem. Conforme os cientistas, seria impossível aquele monólito ser resultado da natureza geológica da Lua, só podendo mesmo ter sido colocado deliberadamente ali. Descobriu-se, também, que o monólito enviava sinais para Júpiter, o que ensejou a terceira parte do filme.

Este capítulo é denominado como “Missão Júpiter: 18 meses depois”, no qual 5 tripulantes da nave Discovery 1 são encarregados de desvendar o mistério do planeta gigante. Três deles se encontravam em estado de hibernação, tendo em vista que seus conhecimentos só seriam utilizados a partir do pouso. Os outros dois eram responsáveis pelo controle humano da nave. Porém, o grande responsável pelo funcionamento da missão era o supercomputador HAL 9000, cuja capacidade de informação sobrepujaria a mais bem dotada máquina atual. A escolha do nome é interessante, pois se nos atentarmos um bocado notaremos que as três letras precedem, respectivamente, IBM. Ora, naquela época esta empresa detinha o controle absoluto da informática. Em um comparativo, a IBM representava, na década de 60, o que Google, Apple e Microsoft representam hoje juntos. A primeira dúvida: isso foi realmente intencional? A segunda dúvida: sendo intencional, isso foi uma homenagem ou uma crítica? Bom, a julgar pelo caráter do computador, estaríamos inclinados a entender que se tratasse de crítica. O HAL, em suas falas, sempre demonstrou um orgulho atroz por sua dita infalibilidade. Entre tantas outras interpretações, poderíamos entender que há uma referência ao status da IBM de monopolista de mercado. Considerando que conhecimento é poder, e sendo o HAL uma máquina com capacidade incrível de deter informações, isto é, com potencial gigantesco de conhecimento, deduz-se que o supercomputador detém o poder. Tal como a IBM detinha à época. 

 A respeito do temperamento da máquina, é necessário frisar que o comportamento dos homens é de uma frivolidade assustadora. Em uma das cenas, Frank Poole, um dos dois astronautas responsáveis pela viagem, recebe um vídeo de seus pais que o parabenizam por seu aniversário. Ele lhe assiste sem transmitir emoção alguma. O outro astronauta, David Bowman, demonstra seu temperamento robótico através dos diálogos com o HAL, sempre se mantendo em uma linha de neutralidade, sem esboçar reações, mesmo nos momentos de maior aflição e tensão. É a inversão da lógica, considerando que HAL demonstra a todo o momento seu orgulho, manifestando, assim, uma emoção tipicamente humana. A evolução da civilização humana nos levaria a uma falta de empatia, bem como à primazia da racionalidade. Contudo, a evolução da informática tornaria os computadores cada vez mais dotados de emoção, a partir da maior complexidade dos circuitos elétricos e capacidade de informação. É uma espécie de paradoxo que se vislumbra. Afinal de contas, para onde a evolução nos leva? Nota-se que o tema evolução é constante no filme, dado que o princípio da humanidade fora retratado sob o prisma do darwinismo, em seu primeiro “capítulo”.

Tratei, anteriormente, de momentos de tensão entre o HAL e os astronautas. O que originou tal aflição foi o fato de que o computador transmitiu falsas informações a respeito de um compartimento externo à nave, acusando uma eventual falha que levaria ao colapso do sistema em 72 horas. Bowman se dirigiu até lá através de uma cápsula que lhe permitiu a aproximação ao problema verificado. A cena é sublime, pois denota a dificuldade da operação, em que o movimento tem de ser perfeito a fim de que o astronauta não se perca pelo espaço sideral, assim como se passa lentamente, transmitindo com o máximo de verossimilhança a locomoção nessas condições. Ao retornar à nave, foi constatado que não havia problema. Caracteriza-se, então, a primeira falha da série de computadores HAL 9000. Quando questionado pelos astronautas, a empáfia da máquina surge mais uma vez, ao afirmar que só poderia se tratar de erro humano, porquanto era infalível. Afirmou, categoricamente, que jamais cometera um erro sequer. Desconfiados, os astronautas arrumam um subterfúgio para se isolarem na cápsula, a fim de que conversassem sem que o HAL pudesse lhes ouvir. Lá, eles travam um diálogo cortante, em que sugerem o desligamento do computador, por desconfiarem de sua eficiência, o que poderia pôr em risco a missão e, por conseguinte, suas vidas. Contudo, eles não contavam com o poder de dedução de HAL, que, através da janela pela qual os rostos de ambos apareciam em seu campo de visão, fez leitura labial do diálogo, detendo a informação do intento dos reticentes cosmonautas. 

A partir disto, HAL passa a surtar, agindo de forma a boicotá-los, pois seu orgulho não admitia que reles humanos assumissem o controle de uma missão de tal envergadura. Deste modo, quando Poole foi recolocar o compartimento, na área externa, o computador agiu para tirá-lo da órbita, fazendo com que se perdesse pelo espaço, em uma cena das mais terríveis na história do cinema (poderia muito bem concorrer a uma das melhores cenas do gênero terror). Bowman, a partir da cápsula, que era dotada de braços robóticos, foi em busca de seu colega, em uma perseguição angustiante, logrando êxito. Ao mesmo tempo, HAL desligou determinadas funções as quais eram responsáveis pela hibernação dos outros 3 cientistas, levando-os à morte. No retorno de Bowman à nave, a partir da cápsula que tinha em “mãos” Poole, HAL se negou a abrir a porta, expondo a sua frustração ao desnorteado astronauta, afirmando que os humanos colocariam a missão em risco, se o desligassem. Restou, assim, ao Bowman uma única alternativa: soltar, com os braços robóticos da cápsula, o combalido Poole, fazendo com que este se perdesse no espaço, a fim de retirar a porta à força. Temos aí outra grande sequência do filme, a partir da qual o indignado cosmonauta visa tão somente à morte da máquina, isto é, desativando as suas funções elétricas. HAL, desesperadamente, tenta convencê-lo do contrário, alegando que não repetirá mais as últimas ações e insinuando o perigo deste desligamento, tendo em vista que o computador controlava todas as funções da nave. Bowman não lhe dá ouvidos e executa a sua morte, que é precedida de um momento singelo, em que HAL canta a música que ele próprio cantara em seu “nascimento”. Percebe-se, mais uma vez, a humanização da máquina, que, diante da morte iminente, recorda momentos importantes de sua vida. 

Entramos, então, no quarto e derradeiro capítulo, denominado como “ Júpiter e Além do Infinito”. Esse é o momento mais controverso do filme, pois Kubrick não fez questão alguma de ser claro quanto a sua intenção. Temos um Bowman surtado que, ao se aproximar de Júpiter (destaque para as imagens do planeta cercado por seus satélites – 66 no total, tendo Europa, Io, Ganímedes e Calisto como os maiores e principais, por serem os quatro famosos satélites visualizados por Galileu através de um telescópio de pequeno porte na Terra), é tomado por uma enxurrada de luzes psicodélicas, com imagens galáticas, e, posteriormente, estruturas montanhosas em cores extravagantes, como se a nave estivesse penetrando na atmosfera do planeta. Há espaço para muita interpretação nestas imagens. Há quem diga haver uma sugestão de sexualidade de natureza interplanetária, através de imagens que lembram o útero, óvulos e a penetração de espermatozoide. As luzes são entrecortadas por imagens do astronauta em estado de choque, de uma forma tipicamente Kubrickiana. Após uma overdose de psicodelia à la Pink Floyd, há a sequência final do filme, altamente metafórica, na qual Bowman, já mais idoso, se enxerga sentado, mais velho ainda. Após, o Bowman sentado, se enxerga numa cama, decrepitamente velho. Este, por fim, estende o dedo ao vislumbrar o monólito em frente à cama. A partir disso, ele se transforma num feto. A cena final é com o mesmo bebê, só que em proporção planetária, observando a Terra, aproximando-se dela cada vez mais. Um final espetacular para um filme perfeito!

O que realmente significa este final? Impossível dar uma resposta única. A minha interpretação é no sentido de que o bebê representa o grande e, talvez, último salto da humanidade, perpetrado por inteligência extraterrestre a partir do monólito. A presença do monólito sempre representou, no filme, um impulso dado por força exterior ao homem, para que este evoluísse em proporção exponencial. O bebê seria, então, a espécie humana chegando ao ápice evolutivo, aproximando-se cada vez mais da capacidade tecnológica e moral desses extraterrestres. As luzes poderiam representar a natureza etérea desses seres alienígenas, que já estariam em um plano superior de matéria. O Bowman idoso poderia representar a evolução do homem a passos rápidos, a partir do contato com o monólito. Ele rapidamente atingiu a velhice, tornando-se ultrapassado, por estar próximo dessa catapulta evolutiva. Neste caso, seria pura metáfora, sendo Bowman a representação da espécie humana no estágio atual.

Porém, podemos ir além. O que afinal de contas representa o monólito? Dentro da lógica do filme, está claro o seu papel. Mas numa lógica conotativa, digamos assim? Seria uma representação dos grandes insights da humanidade, tal como a descoberta do fogo, a agricultura, a moeda, a navegação, as grandes descobertas científicas etc? Seria uma tentativa de provar que ao homem só é possível um grande avanço a partir de uma indução externa, seja divina ou extraterrestre? E o HAL? O que representa esta máquina? O dilema ético da evolução de sistemas robóticos e de informática entra em ação, é claro. Mas o que mais pode se deduzir? Há uma supremacia da máquina sobre o homem, ou se mostra o contrário? Quais são os limites de poder e responsabilidade que podemos permitir a uma máquina de extrema inteligência?

A resposta para tudo isso quem dá é o próprio Kubrick:

“Eu tentei criar uma experiência visual, que se desviasse do campo das palavras e penetrasse diretamente no subconsciente com um teor emocional e filosófico. Projetei o filme para ser uma experiência subjetiva intensa, que atinja o espectador num nível profundo de consciência, exatamente como a música faz, ou a pintura. Você está livre para especular como quiser sobre o sentido filosófico e alegórico do filme.”

Basta-nos assumir nossa liberdade de especulação e deixar que os nossos sentidos perscrutem este mundo incrível de beleza artística incomparável. Talvez este filme seja o monólito do cinema, pois não há cineasta que não o tenha tocado com curiosidade e receio, e que não tenha se transformado como artista. Eis o que o alienígena Kubrick nos oferece...

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Adendo ao texto "Ideologia da liberdade e liberdade de ideologia"

Fonte do desenho: http://luizreginaldo.blogspot.com.br/2011/09/caracteristicas-gerais-do-que-e.html


Foi noticiada uma tese do primatologista Frans de Waal no sentido de que os humanos podem ser naturalmente pacíficos, ou que, ao menos, não há comprovação científica de que somos naturalmente violentos.

Como os assíduos leitores do blog sabem (uns dois ou três), o texto "Ideologia da liberdade e liberdade de ideologia" trata sobre as distinções filosóficas quanto à origem do homem e sua natureza, sendo que a partir dessas há as mais diversas construções ideológicas, quase sempre colidentes nos campos político, econômico e social. Defendi, naquele texto, que, por falta de comprovação científica acerca das nossas origens, há espaço para toda sorte de construção filosófica e, consequentemente, ideológica.

A partir dessa tese lançada recentemente, julgo que me aproximei da melhor resposta sobre tal tema: por falta de cientificidade, não há falar em melhor compreensão histórica da nossa natureza, seja para que lado for nossa convicção.

Podemos ter a liberdade de escolher nossas versões da história, mas jamais poderemos ter a arrogância de supor que conhecemos uma versão superior.

Deste modo, quando se debatem ideologias, cujas origens derivam do fenômeno "natureza humana", realiza-se um exercício de manifestação dogmática, em que ambas as partes já possuem como pressuposto deterem a melhor concepção de mundo, bastando-lhe convencer outrem de seu achado.

Ora, se somos incapazes, instrumentalmente, de medir qual é, de fato, a nossa natureza, se essencialmente boa ou má, não podemos julgar que uma ideologia seja superior à outra, sendo que ambas são construídas a partir de visões filosóficas diferentes acerca de nossas origens. Ou seja: o que faz construir a ideologia política, econômia e social, é uma tese filosófica que não passa de suposição, não amparada por evidências, independente do rumo tomado. É claro que não é possível exigir cientificidade de filosofia, considerando tratarem-se de epistemologias diversas. Entretanto, sobre a política, economia e sociologia constroem-se, ou pretendem-se, ciências! Porém, sob suas enormes construções, há uma frágil base, num prisma científico.

Sabemos bem que, se a base não é boa, a edificação tende a ruir. E quanto maior o prédio, maior o desastre...

Devemos jogar a toalha? Devemos abandonar o estudo político, econômico e social?

Evidentemente que não! Contudo, não há nada errado em colocar os pingos nos is. Retirando a cientificidade indevidamente atribuída a esses campos do conhecimento, talvez se construam escolas de pensamento mais honestas e menos comprometidas com interesses políticos, eleitoreiros e de grupos sociais.

Ao mesmo passo, não devemos abandonar o estudo antropológico, histórico e arqueológico, a fim de que busquemos as pistas para solucionar essa questão primordial da filosofia que tanto nos inquieta.

Outras questões que surgem são as seguintes: necessariamente temos de retomar a nossa natureza primordial? Não podemos ter uma mudança de postura a partir de um desenvolvimento cultural? Até que ponto é negativa nossa metamorfose comportamental?

Dependendo das respostas, teremos outras escolas filosóficas e, assim, ideologias que se assentarão, conforme a via escolhida.

Em síntese, ao que parece as ideologias invariavelmente são meras escolhas, independentemente de bases científicas. Sendo a tomada de escolhas uma atitude que cabe à individualidade, não podemos, então, considerar que é possível encontrarmos uma saída objetiva para tal questão.

Assim, seguimos com liberdade de ideologia, em que pese a ideologia da liberdade jamais poder ser definida com precisão.

sábado, 5 de maio de 2012

Resfriando o aquecimento global




Um dos temas mais caros da humanidade, na atualidade, diz respeito às mudanças climáticas da Terra, que seriam provocadas pela crescente atividade produtiva do homem, segundo a hipótese do aquecimento global por razões antropogênicas.

Segundo esta corrente dominante, a influência humana para o aquecimento do clima terrestre residiria na produção acelerada de CO² (dióxido de carbono), CFC's (clorofluorcarboneto) e CH4 (gás metano), os quais seriam responsáveis pelo aumento do efeito estufa, bem como, no caso dos CFC's, em relação ao buraco na camada de ozônio. Tais atividades influenciariam na elevação do aquecimento global, gerando fenômenos de potencial destrutivo a longo prazo, tais como o degelo de grande parte dos blocos polares, o que elevaria o nível dos mares, redundando em catástrofes sem precedentes na história. Além dos humanos, a flatulência de ovinos e bovinos é tida como uma das grandes vilãs do aquecimento global, pela emissão do gás metano. Evidentemente, por vias indiretas, critica-se a ação humana, quanto ao crescente cultivo desses animais a fim alimentício, sendo esse um dos argumentos utilizados por ativistas vegetarianos em sua propaganda contrária ao consumo de carne.

São de conhecimento geral os princípios que regem essa corrente, tendo em vista serem propalados exaustivamente por todos os meios informativos possíveis, sendo, portanto, desnecessário explicar o que é o aquecimento global. É demasiado necessário, sim, urgindo um lugar definido na mídia, expor a corrente contrária à hipótese narrada acima, denominada como cética. A tese desses cientistas corajosos - criticar o senso comum geralmente não é tarefa fácil – é de que as mudanças climáticas possuem causas tão somente naturais, considerando-se que as atividades humanas teriam participação irrisória na emissão das moléculas tidas como vilãs, pelos “aquecimentistas”.

De acordo com os céticos, os principais agentes responsáveis pelo clima na Terra são o Sol, as atividades vulcânicas e os oceanos, correspondendo estes fatores a 99,99% das causas para o estabelecimento do clima no nosso planeta. Como resposta às estatísticas mostradas pelos “aquecimentistas”, apresentam dados que ligam diretamente as atividades solares ao aumento ou resfriamento de temperatura na Terra. Quanto maior a presença de manchas solares – havendo, portanto, maior atividade solar -, mais quente, no mesmo período, encontrava-se o clima global. E, no contrário, havia resfriamento. Ato contínuo, apresentam dados que refutam a tese de que a emissão de dióxido de carbono faz aquecer o clima terráqueo. Pelo contrário, alegam que a maior produção de CO² é consequência do aumento de temperatura. É o que se constata dos quadros apresentados pelos climatologistas céticos, tendo em vista que se verifica o aumento de presença de dióxido de carbono em anos posteriores aos registros de elevação de temperatura. A tese que embasa tal argumento vai no sentido de que com o aumento de radiação solar incidindo sobre os oceanos, que compõem ¾ da Terra, há uma elevada liberação do CO². Quando a Terra está resfriada, os oceanos absorvem CO². Logo, para os céticos, os defensores do aquecimento global antropogênico estão invertendo a lógica!

Ademais, segundo os céticos, a presença de dióxido de carbono na atmosfera é pequena em proporção, sendo bastante improvável que pudessem gerar um desequilíbrio climático. Aliás, o CO² emitido pelo homem representa uma parcela ínfima da produção deste composto químico, sendo em grande maioria gerado pela emissão dos oceanos, já tratada anteriormente, e pelos vulcões ativos. Deste modo, não se justificaria o alarde promovido pelos “aquecimentistas”, pois de nada adiantaria reduzir as taxas de produção humana desses compostos, porquanto são pífias no comparativo com os agentes naturais. Para corroborar tal argumento, há estudos históricos que apontam ter havido em momentos pretéritos – numa escala de milhares de anos - uma presença de CO² na atmosfera bastante superior à atual, sem que tenha havido alguma calamidade em decorrência disso, ao mesmo passo em que demonstra o caráter natural de emissão do gás, absolutamente independente da ação humana. Outro argumento expendido é quanto ao fato de que entre 1940 e 1975 observou-se um resfriamento da Terra, sendo que nesse momento houve a maior produção humana de CO² já registrada até então.

Há, inclusive, quem defenda o caráter mítico dos buracos na camada de ozônio, bem como a influência do efeito estufa no clima, porém não são uníssonas tais posições entre os céticos. Entretanto, é de se verificar tais estudos, sem preconceito, pois os argumentos de ambos os lados parecem plausíveis.

Por fim, é de se noticiar que James Lovelock, um dos mais proeminentes defensores do aquecimento global por razões humanas, tido como um dos líderes desta corrente, deu uma entrevista polêmica, na qual admite que exagerara em suas predições, afirmando ser possível considerar que errara pelo fato de ser um autor independente, enquanto os cientistas ligados a entidades governamentais estariam comprometidos sobremaneira com a causa, podendo perder seus empregos, caso admitissem falhas nas previsões catastróficas que o cenário do aquecimento global demonstra em seus modelos, a longo prazo. Nota-se, então, que a hipótese apocalíptica das mudanças climáticas está resfriando, em que pese a falta de espaço proporcionada aos cientistas céticos. No jogo infantil do “está quente, está frio” ( jogo em que escondíamos um objeto, para que outras pessoas o procurassem, cuja dica residia em dizer “está quente”, quando próximo, e “está frio”, quando distante ), em busca pela verdade, aquele que a escondeu diria aos obstinados caçadores: “vocês estão na Groenlândia! Tão frio que nem o aquecimento global dá conta de esquentá-la”! O problema é que o hipotético sujeito a colocou em lugar tão obscuro que nem o próprio sabe onde a verdade está! E agora se pergunta: em quem acreditar? Nos cientistas do apocalipse, ligados aos governos, portanto sujeitos a vontades políticas, ou nos cientistas céticos, que podem, eventualmente, estar ligados a entidades privadas que possuem interesse na negação da hipótese do aquecimento? Desejamos que essa discussão seja, de fato, tão somente científica, distanciando-se o máximo possível de fatores políticos e/ou ideológicos. E que haja igualdade de tratamento! Sem dogmatismos, sem doxas. Queremos somente encontrar a verdade, mesmo que bem escondida.

Seguem alguns links importantes para apreciação do tema:




terça-feira, 24 de abril de 2012

Barcelona espantoso





Que time fabuloso esse Barcelona atual! Não posso escolher outra frase para iniciar a presente crônica sobre a desclassificação do time catalão, na recente terça-feira, 24/04, diante do bravo Chelsea, em jogo válido pelas semifinais da Champions League.

Muitos poderiam pensar que eu cheguei a um grau extremo de insanidade ao tecer elogios dessa natureza a uma equipe derrotada. Danem-se, tais críticos! O fato é que somente um time espetacular é capaz de ser o protagonista inclusive em seus momentos mais frágeis. Sim, pois o Barcelona deteve a posse da bola em 73% do tempo jogado. Em um universo de 90 minutos, isso equivale a ter o controle da bola em 65 minutos e meio (essa é a proporção; é evidente que se fôssemos contar as bolas paradas teríamos menos tempo de jogo e, portanto, menos tempo de posse de bola).

Entretanto, nem é isso o que mais espanta. O que efetivamente assusta é o fato de que todas as pessoas sãs deste mundo, e que admiram o futebol, consideravam a desclassificação do Barcelona algo absolutamente surpreendente, constituindo em zebra (jargão clássico do futebol, quando uma equipe considerada bastante inferior ao oponente o vence) uma eventual vitória do Chelsea. E é por isso, justamente por essa consideração unânime, que o resultado desta partida trouxe tanta surpresa, podendo ser verificada através de uma análise dos perfis de Facebook e Twitter de todo o mundo, os quais comentaram incessantemente a respeito. Assusta, sim, pois não estamos falando de Barcelona versus XV de Jaú, mas do Chelsea, uma equipe não muito tradicional num plano histórico, é verdade, porém investida de uma enxurrada de valores econômicos oriundas de um empresário megalomaníaco, o qual tornou tal equipe em uma das grandes forças mundiais, que desde o início do presente século tem disputado fervorosamente os títulos. E quando tratamos de equipes fortes, e de futebol, não poderíamos considerar inaceitável a hipótese de que uma destas derrube a outra. Em tese, deveríamos ter a prudência de analisar o confronto sem arriscar um favorito. Repito: em tese! Quando falamos do Barcelona atual, todas as teses são destruídas, cabendo aos teóricos a compreensão do novo paradigma instaurado por esta equipe, para que possam, assim, organizar suas anotações a fim de refundarem suas teses. Só este time é capaz de causar espanto: tanto pelo que produz em campo quanto por uma eventual queda. Hoje, surpreendentemente, foi o dia da queda!

Ao analisarmos a partida (gravei o jogo, por impossibilidade de assisti-lo ao vivo. Analisei-o, portanto, sabendo do resultado), vemos que a equipe inglesa desistiu por absoluto de um esquema tático propositivo, mantendo seus 10 jogadores – após a expulsão do Terry, 9 – dentro ou em frente à área, formando um cinturão quase que intransponível. De novo, estamos falando de Chelsea! Trata-se de um timaço! Porém, é um timaço que tem a humildade de reconhecer a colossal inferioridade diante de um dos maiores times da história. Logo, acertadíssima a escolha do Di Matteo, técnico do Chelsea, em manter a equipe completamente defensiva, pois só assim é possível tomar o mínimo possível de gols. Sim, porque mesmo assim o Barcelona conseguiu por duas vezes chegar ao gol dos ingleses! Sem contar uma dezena de chances desperdiçadas pelos catalães, incluindo-se o pênalti desperdiçado pelo irreconhecível Messi – este, sim, muito aquém da sua normalidade, a qual, diga-se, é a anormalidade, a genialidade. Os gols do Chelsea, por sua vez, nasceram da casualidade, da vontade dos deuses. Em um raro momento de troca de passes, nasceu o primeiro gol do time inglês, em um lance à la Messi de Ramires, encobrindo Victor Valdés com um toque sutil na redondinha. O segundo gol, aquele que sepultou de vez o sonho dos espanhóis, nasceu de um balão desesperado do zagueiro para a frente, que casualmente encontrou Fernando Torres, livre, leve e solto, para que o centroavante driblasse o mediano – e extremamente abaixo dos companheiros de equipe, em qualidade técnica – goleiro do Barcelona e anotasse o tento. O resto da partida foi de um sufoco atroz imposto pela máquina de jogar futebol catalã, em um jogo de ataque contra defesa, com os craques fazendo rodar a bola em frente à área, procurando um espaço qualquer dentro desse bolo de “9 zagueiros” do Chelsea.

Imagino que deva ser de extrema complexidade criar lances de gol em uma situação dessas. Algo que só uma equipe como o Barcelona tem a capacidade de enfrentar! O que não foi o caso nesta terça-feira, mas que poderia ser em qualquer outro momento. Está certo que o time catalão não foi tão criativo como de costume, bem como demonstrou certo afobamento, principalmente no 2º tempo, mas, convenhamos, a dificuldade de penetrar uma área composta de 9 jogadores é absurda!

Aliás, é necessário dar a devida atenção para isso: o Chelsea jogou com todos os jogadores na defesa! Reitero: pô, é Chelsea! Não Íbis!!! Só esse fato demonstra o que significa o Barcelona de Messi, Xavi e Iniesta. Há vozes que começam a considerar a hipótese de que o ciclo de glórias se esgotou, baseando tal argumento nas 3 últimas partidas, em que o Barcelona acabou derrotado em duas e empatando nesta última. Ora, a minha tese é de que só poderá ser tido como desbancado esse time no momento em que as equipes adversárias conseguirem controlar a partida, com mais posse de bola, chute a gol etc. No atual estágio das coisas, as derrotas desta equipe se dão tão-somente por fatores fortuitos. Não há, ainda, uma quebra de paradigma! Ninguém neste mundo conseguiu ser efetivamente superior ao Barcelona, em que pese uma ou outra equipe ter obtido vitória em determinado confronto direto.


Estamos no século XXI, tempo de tecnologias avançadas e de futebol extremamente competitivo, cujo vigor físico só se eleva, dificultando a distinção técnica. E, espantosamente, o time catalão vive esse momento de uma forma tão soberba que parece ser de outro mundo. Ele é tão superior aos demais que acabamos esquecendo tratar-se de futebol, o esporte praticado por este time! O bom do esporte bretão é que ele nos lembra da sua natureza improvável em momentos como esse: nas quedas de um time tão assombroso!


quinta-feira, 19 de abril de 2012

Einstein, o nosso referencial: pulando na cama elástica!




Uma das grandes sacadas de Einstein foi compreender a união do espaço com o tempo, formando um tecido denominado “espaço-tempo”. A partir disso, entende-se o Universo, pelo menos no campo macrocósmico, como quadridimensional (não entraremos aqui na discussão da mecânica quântica e das diversas teorias das cordas, que entendem a geometria universal com mais dimensões espaciais recurvadas), somando-se às três dimensões espaciais uma dimensão temporal.

 Ao contrário do entendimento clássico da Física baseado na mecânica do gigante Isaac Newton, o tempo demonstrou-se relativo ao referencial, desfazendo-se o caráter absoluto de sua medida. O referencial, ou observador, possui uma escala de tempo própria, cujas medições darão um resultado que só a ele compete, conferindo à subjetividade uma primazia perante a objetividade jamais vista antes dentro do conhecimento científico – desde a sua consolidação metodológica na Idade Moderna -, embora na filosofia e nas artes já houvesse, em determinados períodos, escolas em que o prisma individual fora tratado como norte dos respectivos campos epistemológicos. Não obstante, a influência das teorias da relatividade na filosofia e nas artes foi contundente, tendo em vista, por exemplo, os movimentos cubista e surrealista, nas artes, e a consolidação do existencialismo e, principalmente, com a reação ao positivismo lógico, na filosofia. Foi o viés revolucionário da teoria de Einstein, bem como o seu enfoque no indivíduo, que trouxe à tona novamente, e com mais força do que outrora, a subjetividade como motora do conhecimento. 
 
A idéia subjacente à união espaço-temporal é a de que o movimento de um influi no outro. Eu, como referencial relativo, estou contido numa geometria, que forma o Universo, cuja função relaciona o espaço ao tempo de forma diretamente proporcional. Isto é, no momento em que me desloco no espaço, afeto o tempo, tornando-o tão mais vagaroso na medida em que aumento o meu movimento espacial. Em outras palavras, se estou parado, o tempo está correndo na sua velocidade máxima, que seria proporcional à velocidade da luz no vácuo. No breve movimento que efetuo, dentro do espaço tridimensional ao qual estamos todos contidos, torno o MEU tempo mais devagar. Entretanto, como vivemos a velocidades baixas de deslocamento, não percebemos a nossa interferência no tempo. Se viajássemos a velocidades próximas a da luz, nosso tempo percorreria muito vagarosamente. E se chegássemos a alcançar a velocidade da luz, pasme, o tempo pararia. Imagina-te nesta situação: ao viajar no espaço à velocidade de 300.000 Km/s, tu estagnarias no tempo, vivenciando para todo o sempre a tua condição atual. Chega a ser insano pensar nesta hipótese, mas ela é válida dentro da Física, e Einstein, de forma sublime e elegantíssima, apresentou-a com as teorias relativísticas. Só não fazemos isso porque, ao mesmo tempo, é impossível chegarmos sequer próximos à velocidade da luz, porquanto a famosa equação E=mc², contida na Teoria da Relatividade Especial (Restrita), nos impede de tal feito, pois como possuímos massa teríamos de despender uma energia infinita que nos levasse a acelerar a velocidade a tais quantidades. Porém, é possível fazermos experimentos que comprovam esta relação entre espaço e tempo, como, por exemplo, a partir de aviões a jato que se deslocam a uma velocidade alta o suficiente para tornarem a passagem do tempo, para o referencial de dentro do jato, inferior ao nosso, em termos de poucas frações de segundo, conforme já fora testado mediante relógios atômicos.

A nomenclatura das Teorias da Relatividade (Especial ou Restrita e Geral) não é à toa, embora não tenha sido ideia de Einstein nominá-las de tal modo. A primeira, concluída em 1905, refere-se à aplicação do referencial em um campo ausente de gravidade e cujos movimentos relativos entre si são constantes, isto é, ausentes de aceleração. Por isso mesmo, é especial ou restrita, tendo em vista que não se lhe aplica a generalização. Já com a segunda, publicada em 1915, há a presença de gravidade e os referenciais apresentam aceleração, portanto geral, aplicando-se a todo o movimento físico de objeto massivo.

As grandes contribuições da Teoria Especial (TRE ou TRR)foram a ligação da massa e energia, com aquela equação já narrada, demonstrando tratarem-se de mesma natureza (uma se converte na outra, nas dissipações quânticas ocorridas a partir da atuação das forças fundamentais. Por exemplo, quando uma partícula massiva se choca com outra, parte da massa dessa partícula se converte em energia), a compreensão da natureza da luz e de seu papel físico fundamental, incidindo sobre as nossas observações, bem como sendo o limite da velocidade de deslocamento (ou seja, nenhum efeito físico poderá ser observado antes que a luz nos alcance e o demonstre), e o entendimento, já explicitado aqui, quanto à relatividade do tempo conforme referenciais de movimento uniforme.

A Teoria da Relatividade Geral (TRG), por sua vez, deu o grande passo de que a Física Moderna necessitava, partindo desta base sólida que a TRR ou TRE havia dado, com a concepção gravitacional diversa da Lei de Newton, aprimorando-a numa escala macrocósmica. Em outras palavras, a Lei da Gravidade de Newton ia muito bem, obrigado, ao ser aplicada na Terra. Matematicamente, era perfeita para os experimentos possíveis à época, tendo, portanto, notável qualidade em seu conteúdo. Entretanto, numa escala universal, a matemática da consagrada lei newtoniana não correspondia aos resultados observados, como, por exemplo, a órbita de Mercúrio em torno do Sol. O aprimoramento de Einstein no estudo da gravidade, a partir da TRG, fez com que a descrição da órbita do pequeno planeta se adequasse perfeitamente aos cálculos.

A TRG trouxe o princípio da equivalência entre a aceleração e a gravidade, conferindo-lhes a mesma natureza. Quando me movimento no espaço aceleradamente, faço o meu tempo se tornar mais vagaroso, como eu já dissera. Ao mesmo passo, quanto maior o efeito gravitacional de um campo espacial qualquer, também passará mais devagar o tempo. Por quê?

Primeiramente, temos de mentalizar uma seguinte situação: um sujeito X se encontra numa espaçonave sem saber por que razão está ali, num ambiente completamente escuro, e deitado na parte correspondente à traseira. O movimento da espaçonave é uniforme, porém, em determinado momento, passa a acelerar sua velocidade. O efeito que o sujeito sentirá será uma pressão do seu corpo contra o chão, que no caso é a parte traseira. Parece-nos evidente que esse seria o efeito, considerando o nosso conhecimento prático de movimentos acelerados (freadas em ônibus, por exemplo). O sujeito X, totalmente perdido, poderia se encontrar na seguinte dúvida: seria este efeito produto da aceleração deste objeto ao qual estou contido, ou a gravidade que está agindo entre o meu corpo e o chão. A sua dúvida parece válida, pois, nessas condições, seria impossível distinguir entre uma e outra causa para este efeito. Esse exercício mental, portanto, é a chave para entendermos a estreita relação entre a gravidade e a aceleração.

Em segundo lugar, partindo do pressuposto de que são relacionadas – a aceleração e a gravidade -, temos de considerar a razão para que o tempo passe mais devagar nas situações em que ambas são intensas, e de forma proporcional. A chave para tal tesouro é aquilo que chamei, no início do texto, de uma das grandes sacadas de Einstein: o tecido do espaço-tempo. O gênio considerou que o Universo possui uma geometria plana, cuja tessitura é afetada conforme haja presença de corpos massivos em seu interior. Isto é, um objeto contendo massa causa curvatura no tecido do espaço-tempo. Mais uma vez, imagine algo assim: uma cama elástica que, sem a presença de objetos, é plana. No momento em que se coloca uma bola de 10 Kg sobre tal cama, o tecido desta sofre uma curvatura. Ato contínuo, ao sobrepô-la outro objeto esférico, porém de 2 Kg, o tecido também sofrerá uma curvatura, mas inferior àquela sentida pelo objeto anterior. Ao mesmo tempo, observar-se-á que a bola inferior será atraída para dentro do círculo curvado da bola superior. Deste modo, podemos considerar que o círculo curvado que se forma em torno do objeto é o correspondente ao campo gravitacional que um objeto massivo exerce. E é de se notar que ambos os objetos possuem seus próprios campos gravitacionais, bem como se distinguem de forma diretamente proporcional na medida das respectivas massas. 
 
Assim, infere-se que a causa da gravidade é a presença de objetos massivos no tecido do espaço-tempo. Portanto, quanto maior o objeto massivo, maior será o seu campo gravitacional. E, sendo a curvatura um dos efeitos da presença dos objetos em tal tecido, que é interligado entre espaço e tempo, quanto maior o objeto, mais devagar passa o tempo, porquanto se encontra mais curvado, em comparação ao efeito sentido por outro objeto menos massivo. 
 
A aceleração, no mesmo passo, causa curvatura no tecido do espaço-tempo, pois desloca gradativamente a velocidade contida na dimensão temporal para a dimensão espacial, tornando a primeira cada vez mais vagarosa. Quanto mais velocidade se aplica no deslocamento do objeto, mais rapidamente se movimenta no espaço, o que gera uma transferência da velocidade temporal (que, quando estamos inertes, é o da velocidade da luz), tendo em vista a estrita relação entre espaço e tempo, que devem sempre se manter equilibradas nas coordenadas geométricas que formam essa natureza de tecido ao qual estamos insertos. Descreve-se como uma função matemática essa condição natural! 
 
Desta forma, foi possível descrever a relatividade de forma generalizada, pois os movimentos acelerados também puderam se encaixar na descrição dos referenciais quanto ao espaço e ao tempo. Assim, Einstein trouxe ao conhecimento científico a democracia, a subjetividade, o individualismo. O meu tempo será sempre único e minhas observações são tão válidas quanto a de qualquer outro. E, até o presente momento, só sabemos de uma espécie no Universo capaz de ser um referencial: o ser humano. Quer uma vitória da humanidade maior do que essa? Por enquanto...

terça-feira, 3 de abril de 2012

Ideologia da liberdade e a liberdade de ideologia

Eugene Delacroix - A Liberdade Guiando o Povo


O conceito de liberdade é objeto das mais diversas interpretações e, basicamente, é pautado sob cores ideológicas, que acabam subordinando sua análise a um conjunto de valores fechado e pouco maleável, constituindo-se em dogma.

Primeiramente, temos de inferir que a liberdade é uma característica única do ser humano, ao menos aqui na Terra e do que conhecemos até então do Universo. Ora, por que um animal não-intelectual jamais pode ser livre?, perguntaria o curioso. A razão está na falta de capacidade deste ser em escapar aos desígnios naturais, em um primeiro plano. Por não ser dotado de consciência, o animal não-humano age conforme seus instintos, limitando a sua força aos agentes naturais com os quais fora premiado pela mãe natureza. Seu dote físico e suas ações instintivas, irracionais e selvagens são o único instrumental em que tal ser pode empreender. É um ser, também, impossibilitado de manufaturar, portanto jamais poderá ser um animal tecnológico. A tecnologia é, então, uma característica do ser livre, ou, mais adequadamente, uma consequência da liberdade. Portanto, só o ser humano possui as características que fazem nascer o conceito de liberdade, sendo restrito tal estudo a uma análise antropológica, a fim de identificar suas repercussões nas diversas áreas do conhecimento, mais notadamente na economia e política, que acabam gerando as diversas interpretações ideológicas. Nas artes também se verifica uma preocupação permanente com a relação da liberdade humana na criação aos seus limites, à preocupação quanto ao grau de rigidez (ou flexibilidade) da estética etc.

Em segundo lugar, é necessário, a partir da ideia da liberdade como um fator antropológico, estabelecer como se a constrói nas relações sociais, daí se originando as percepções ideológicas no que tange à política e economia. Cada sujeito opta por uma versão da história vinculada ao conjunto de valores que constitui a respectiva ideologia escolhida. É quase impossível ao indivíduo construir uma ideologia própria, pois a história está turvada pelas diferentes interpretações que os estudiosos apresentaram nessa caminhada humana. Em tese, os fatos se apresentam aos moldes dos vencedores, e invariavelmente determinados episódios acabam sendo reinterpretados, quando grupos de diverso matiz político tomam o poder, ou se tornam moda na cultura e costume de determinado período futuro ao fato histórico. Portanto, o sujeito que se interessa pela análise pura dos fenômenos sociais está prejudicado pelas versões predominantes ou colidentes, mas sempre versões. Não há espaço para uma construção imparcial de teses, pois estamos subordinados a este conhecimento precário do nosso passado, bem como a imparcialidade, mesmo que desejada, demonstra-se demasiadamente utópica, visto que o ser humano adota posições frente aos conceitos, sendo essa uma condição natural da espécie.

Em que pese as dificuldades narradas, podemos apresentar como alguns grupos ideológicos conceituam a liberdade nas relações sociais, sempre a partir de um prisma histórico, como se verifica de uma análise acurada dos grandes pensadores por trás desses movimentos filosóficos, políticos e econômicos. Resumidamente, há duas correntes modernas predominantes de conceituação da relação da liberdade individual com o laço social, de cuja base se originam as mais diversas facetas ideológicas. Tais filósofos, que erigiram bases sólidas para a posteridade do pensamento, são comumente denominados como “contratualistas”, pois veem as relações múltiplas como um contrato tácito que o indivíduo realiza com o seio social, a fim de proteger a sua própria liberdade. São os chamados contratos sociais. A diferença entre os pensadores reside na idealização que cada um fez do momento primitivo em que não havia tal relação de sociedade, bem como do momento em que acaba se construindo a ligação do sujeito a um corpo maior, partindo daí as divergências de conceituação. Dentre outros pensadores, destaco dois que podem ser tidos como representantes das duas escolas colidentes: Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau. De uma forma rasa, bastante limitada mesmo, podemos afirmar que a diferença central está na natureza do homem selvagem, na comparação entre ambas as teorias. Enquanto para um pensador o “homem é o lobo do homem”, para outro o homem era um “bom selvagem”. Essa divergência explica todo o provir das respectivas teses de fundação da sociedade. A liberdade é encarada de modo completamente diverso, pois para Hobbes se não houvesse o laço social seria impossível falar em liberdade, tendo em vista a natureza agressiva e belicosa do ser humano, cuja anomia de uma região repleta dessa espécie seria levada à falência e destruição, pois com a ausência de limites à liberdade a própria acabaria sendo cerceada definitivamente em longo prazo. Ou, ao menos, restaria em poder dos homens mais fortes ou que tivessem à disposição as melhores tecnológicas bélicas da era primitiva. Com Rousseau, entretanto, o dever de laço social só surge a partir da corrupção do homem pela posse de bens e regiões naturais, gerando a desigualdade social. Ele vê um homem naturalmente bom, mas que quando agrega valor a objetos da natureza e os toma para si acaba criando condições de sofrimento alheio, pela escassez de recursos e controle sobre os indivíduos sem posses. Dada essa condição, a relação social, por meio do contrato tácito, passa a ser imperiosa, a fim de que se estabeleça mais dignidade entre os sujeitos, a partir de regras claras de conduta às quais todos se subordinam. Rousseau defende que se procure ao máximo voltar para a condição primitiva, buscando a boa natureza humana, através de medidas impeditivas à propriedade privada, representatividade direta na política e educação próxima da espartana, retirando os infantes do seio social para que não se corrompam seus valores individuais, e bons, segundo o entendimento do pensador.

Vê-se claramente aí a repercussão político-econômica que gera tais interpretações do momento originário do homem. É evidente que tais construções são, apesar de consistentes logicamente, metafísicas, não correspondendo a um método científico de análise histórica, pela ausência de documentos que corroborem quaisquer dessas teses. O que não impede, no entanto, que tais teorias sejam suficientes para basear uma gama imensa de ideologias presentes hoje, refletindo-se, obviamente, nas políticas de Estado adotadas. Embora pudéssemos aludir que essas duas correntes não encerram as ideologias, sendo esses conjuntos de valores produtos de uma série ilimitada de teorias, é possível afirmarmos que na raiz das divergências se encontra a distinção da natureza humana retratada nessas duas principais vertentes filosóficas. Temos, por exemplo, o socialismo científico, que é produto, dentre outros, de Hegel, Marx, Gramsci, Trotski. Já o liberalismo clássico conta com a contribuição de Adam Smith, John Locke, Ricardo, Voltaire, Milton Friedman, Ayn Rand etc. Mas a primeira ideologia bebe, em seu ponto originário, diretamente da corrente de Rousseau, enquanto a segunda ideologia tem como fulcro o modelo humano de Hobbes, em que pese esta corrente ter servido aos propósitos absolutistas, sendo John Locke o contratualista basilar do liberalismo. Entretanto, Locke não rompeu com a ideia do homem cruel por natureza, devendo a Hobbes tal construção. Desta forma, é Hobbes quem inicia tal idealização que constitui a base dos sistemas conservadores, dentre os quais se destaca a ideologia liberal clássica.



Uma tênue diferença de construção teórica enseja a maior discrepância possível no amálgama de valores que cada ideologia possui. É o fato de crer na boa natureza humana - e na corrupção do homem a partir da extração de bens do meio ambiente, agregando-lhes valor - o que gera todo o corpo de conhecimento de cunho socialista, pois se observarmos os pleitos de tal ideologia verificaremos que nada mais são do que tentativas de resgate a essa condição natural, segundo tal ideário. A revolução do proletariado visa a restabelecer a hipotética igualdade presente no ambiente primitivo, pois retira do indivíduo a propriedade, extermina com o sistema de heranças e educa os sujeitos para que culturalmente a ambição seja extirpada, a fim de se eliminar o egoísmo, em nome de um bem comum. Em um primeiro momento, designa ao Estado todo o poder, para que posteriormente os indivíduos possam controlar os meios de produção sem a interferência de um ente intermediário. Tal sistema crê que a verdadeira liberdade está presente somente nessas condições em que buscamos nossa verdadeira natureza, a de bom homem e altruísta. Em contrapartida, acreditando na má natureza humana é que se consolida o ideário liberal, pois o fato de sermos egoístas e ambiciosos é o que nos move na direção de adquirir excedentes materiais, a fim de atingirmos o conforto que julgamos necessário. E para tal empreendimento, é preciso um esforço pessoal que nos leva a progredir, empenhando todo o trabalho possível para a eficiência de nossa produção. Assim, com objetivos bem claros, desenvolvemos de uma forma mais acelerada as tecnologias, atingindo um aumento de satisfação social, em que pese a desigualdade econômica que surge a partir das diferenças naturais decorrentes das capacidades de cada indivíduo. O Estado deve ser minimamente dotado de poder, a fim de assegurar a segurança que possibilite ao ser humano desenvolver suas liberdades, não devendo interferir no mercado econômico e nos direitos políticos dos cidadãos. Neste caso, a liberdade reside na possibilidade de criação, produção, gerência, expressão e locomoção, sendo, inclusive, o ato de abrir mão parcialmente de sua liberdade, tal como a venda da força de trabalho como contraprestação do salário, um ato de liberdade.



São formas absolutamente distintas, como se vê, de se encarar a liberdade e sua relação com o social. Como eu dissera, é quase impossível nos desvincularmos dessas ideologias. Podemos dizer, paradoxalmente, que não somos livres para escolhermos um conceito de liberdade, pois invariavelmente chegaremos a posições que, no mínimo, se aproximarão muito de um dos dogmas apresentados. E isso se dará sem que o queiramos, pois a narrativa histórica está vinculada a essas distorções da realidade, cuja única possibilidade é vislumbrar um espectro bem turvo que representa o que chamamos de real.



Ao menos, é interessante sabermos as origens das ideologias, a fim de que saibamos distinguir de uma forma mais adequada qual posição tomar. Ao mesmo tempo, serve para que possamos identificar as virtudes e defeitos de cada uma, numa tentativa desesperada de alcançarmos, na melhor das hipóteses, uma liberdade de pensamento, não se restringindo a uma cartilha enlatada e bastante usada. Para se alcançar algo próximo da liberdade, é preciso primeiramente buscar a luz própria!



Que ela chegue a nós!