domingo, 25 de novembro de 2012

A impossível Capela Sistina

A Criação de Adão (afresco da Capela Sistina, Vaticano) - Michelângelo Buonarroti


Michelângelo Buonarroti levou 4 anos para finalizar o teto da Capela Sistina. É possível que esta seja a grande realização artística da humanidade. Logo, é de se imaginar o esforço e a concentração de energia do artista para a produção de uma arte de imensa magnitude. A questão é: você, homem moderno, seria capaz de direcionar toda sua força, e por tanto tempo, a uma obra, seja ela qual for?

Não raras vezes perguntamo-nos por que a civilização contemporânea, em que pese o aparato tecnológico disponível, é tão pobre artisticamente, em comparação aos períodos históricos passados. Não há hoje um único gênio da grandeza de um Leonardo da Vinci, Shakespeare, Rembrandt, Chopin, Rodin, Dante Alighieri, Beethoven etc. Ao menos, não o há em relevância produtiva (pode haver, sim, um potencial artístico inexplorado). Uma das razões apontadas é justamente quanto ao fato destes gênios anteriores terem praticamente esgotado as formas de representação cujo encantamento pela beleza é despertado a um nível extremado por meio dos nossos sentidos. Ou seja: mesmo havendo um gênio hoje, ele estaria sufocado criativamente, porquanto impossibilitado a despertar sensações de comparativa relevância por meios originais, somente pelo fato de não haver mais novos paradigmas a ser construídos que equivalham em beleza às construções anteriores. Não descartando essa hipótese, acredito em outra razão para tal fenômeno: as facilidades tecnológicas tiram a atenção que um artista deve direcionar a uma obra, a fim de que ela seja grandiosa.

O mundo atual é fascinante pela capacidade de informação cada vez mais crescente de que dispomos com uma facilidade de acesso impressionante. São necessários alguns cliques em um computador para nos informarmos a respeito de quaisquer fenômenos que a humanidade conhece. E essa é a forma ativa de processamento de informação! Passivamente, somos bombardeados de novas informações somente ao ligarmos aparelhos tais como a televisão e rádio. Voltando à computação, podemos simplesmente armazenar informações em um HD, seja interno ou externo, prescindindo do cérebro para tal função. Isso é realmente incrível, mas é devido também a tal circunstância que o homem moderno é simplesmente incapaz de produzir obras de extrema profundidade. Em um primeiro plano, porque se distrai facilmente com as mais variadas informações, perdendo grande parte do seu tempo que poderia ser direcionada à feitura de uma produção artística. Em um segundo plano, porque a possibilidade de ter um verdadeiro extensor cerebral o torna destreinado para armazenar aquilo que interessa, por mais paradoxal que isso possa parecer. O que deveria facilitar é a causa para a inaptidão à grandiosidade! O desuso do cérebro o atrofia e faz com que se torne preguiçoso, quando instado a produzir em um nível de extrema complexidade. É necessário um denodo de Michelângelo para construir uma obra-prima! É realmente comovente imaginar como deve ter sido a vida deste homem durante os 4 anos em que pensou, comeu, trabalhou e dormiu a arte que estava construindo. Será que ele a faria, se tivesse de responder um e-mail, acessar o Facebook, perder-se no Google, informar-se no Wikipedia, assistir a uma série de TV para relaxar? Uma pessoa moderna, com esta gama de possibilidades que a tecnologia o traz, simplesmente não consegue se dedicar desta forma a uma realização qualquer. Estamos aqui tratando de arte, mas poderíamos tranquilamente estender a outras atividades humanas, tais como o pensamento científico e filosófico. O último grande gênio fora Einstein, e em sua época, início do século XX, não havia essa profusão de informações que temos hoje.

Não podemos desmerecer as obras atuais, mas é notório que há um abismo qualitativo nesta ingrata comparação com o passado. Ingrata, sim, pois somos mais críticos em relação ao período em que vivemos – faço agora um mea culpa. Tampouco podemos dizer que nenhum homem moderno é capaz de escapar a essa regra. Sempre há exceções! É possível, sim, que haja alguém talentoso e obstinado o suficiente para concentrar toda sua energia em prol de uma grande produção. De qualquer forma, não acredito que uma obra atual, feita sem essa obstinação de um Buonarroti, sobreviva ao tempo assim como as clássicas chegam até nós intactas. Não há nada como o passar do tempo, para a medição de qualidade de uma obra de arte. Terá a modernidade produzido algo grandioso, a não ser as próprias tecnologias, que parecem impedir o desenvolvimento de outras realizações profundamente? Será que a era de Steve Jobs não comporta um Michelângelo, para lhe dar beleza? Só o futuro dirá!