segunda-feira, 28 de maio de 2012

O planejador caótico ou o caos planejado?


Nebulosa Helix - conhecida por leigos como "O Olho de Deus"


O homem tem como uma de suas principais características a constante reflexão acerca de sua existência, do sentido da vida e da criação do Universo. Por trás dos conceitos que decorrem destas indagações, há o conflito de duas hipóteses primordiais, quais sejam: tudo isso é planejado ou os fatos são meras sucessões de casualidades em meio ao caos? A partir desse questionamento é que criamos conceitos, dogmas, preconceitos e teses científicas, religiosas ou filosóficas.

Ao analisarmos a história das civilizações, deparamo-nos com uma constante entre os homens que tende radicalmente para a primeira hipótese (tudo é planejado), considerando a construção religiosa em quaisquer tribos primitivas, a partir dos registros cuneiformes, hieróglifos etc. Isso não comprova a verdade desta hipótese, mas escancara, sim, a tendência humana em crer no planejamento divino para as ocorrências mundanas.

Observa-se que há uma tendência de evolução teológica em quaisquer sociedades, partindo quase sempre de um panteísmo, perpassando por um estágio politeísta e, ao cabo, redundando em uma fase monoteísta. Ao mesmo passo, é de se notar que tal evolução acompanha o progresso científico dessas sociedades. Na fase panteísta, por exemplo, todas as ocorrências naturais são consideradas manifestações divinas diretas. A partir de um momento em que a sociedade evolui a um ponto em que observa o caráter natural de determinado fenômeno, um passa a questionar o dogma vigente. Instalada a crise, decorrem-se muitos anos até que aquela sociedade avance de estágio. Normalmente, parte-se para uma visão politeísta, havendo vários deuses funcionais e que são encarregados pelas diversas manifestações terrenas (nota-se que diverge do sistema panteísta, pois neste os próprios fenômenos são deuses). É possível, não obstante, haver uma passagem direta ao monoteísmo, o que é bastante incomum na história das civilizações. O ordinário é o monoteísmo substituir o politeísmo, que acaba desgastado pelo incremento tecnológico da sociedade, com o qual alcança uma construção científica mais apurada, denotando a independência dos fenômenos em relação aos deuses.

Entretanto, a ciência possui limites bem claros e dela não se espera uma perfeita resposta para os dilemas apresentados. O máximo que o sistema científico pode propor é a falsidade de determinadas proposições filosóficas e/ou religiosas, mas jamais suas integralidades. A ciência, por mais que se aprimore, parece que sempre deixará a lacuna da divindade aberta. Contudo, é notório que essa lacuna está cada vez mais estreita, tendo em vista alguns baques ao status quo estabelecidos a partir de teses científicas revolucionárias, tais como o sistema heliocêntrico de Copérnico (já levantado, primitivamente, por Aristarco de Samos, na Grécia Antiga, cujo sistema fora derrotado pelo entendimento geocêntrico anterior de Aristóteles e, posteriormente, modelado por Ptolomeu, na obra Almagesto), o suporte observacional de Galileu e Tycho Brahe ao heliocentrismo, as leis do movimento planetário de Kepler, a teoria da evolução de Darwin e a teoria inflacionária do Universo (Big Bang), de Lemaitre, Gamow e Alpher.

Tais teses, em primeiro lugar, retiraram a Terra de uma posição central, deslocando-a para um ponto insignificante de orbitação. Em segundo lugar, no caso da teoria da evolução, houve o fim do antropocentrismo, a partir de uma concepção de vida que retira o caráter especial do ser humano, sendo tal espécie resultado de um processo evolutivo bem definido, em que compartilhamos um ancestral comum com os símios. Em terceiro lugar, em se tratando do Big Bang, caracterizou-se a explicação para a origem do Universo, bem como para sua expansão observada, anteriormente, por Hubble. No que tange à religiosidade, a polêmica reside na explicação absolutamente independente da mão divina, assim como contradiz o livro Gênesis da Bíblia. O sistema religioso, depois de muita grita e sangue (Giordano Bruno, astrônomo heliocentrista do final do século XVI, foi vítima da Santa Inquisição Católica, por exemplo), acabou aceitando o baque astronômico, reformulando a readaptando os respectivos dogmas. Contudo, até hoje as religiões monoteístas, principalmente as ligadas ao cristianismo, não aceitam a teoria darwinista e o Big Bang, em que pese as mais variadas comprovações da existência de um sistema evolutivo biológico muito próximo, ao menos, do previsto por Darwin, bem como as evidências astrofísicas do modelo inflacionário se somarem cada vez mais. É evidente que não as aceitam devido ao fato de que tais teorias estabelecem um papel secundário ao homem, bem como induz a uma desordem na origem da vida e do Universo, o que não seria admitido em um planejamento divino.

Mesmo considerando tais teses científicas, ainda sim é temerário, se não mentiroso, afirmar que a ciência pôs fim ao problema proposto por nós. Enquanto houver lacuna, é possível admitir a existência de entes divinos. O homem, quando se posiciona sobre o tema, está invariavelmente escolhendo um dogma, seja religioso ou filosófico. Não há falar em dogma científico, pois a epistemologia da ciência não permite tal construção. Quando um sujeito usa do conhecimento científico para se posicionar a respeito de um tema sobre o qual a ciência não pode dar respostas definitivas, ele está, na realidade, construindo um dogma filosófico. O sujeito que usa da teoria darwinista para defender seu ateísmo está se utilizando da filosofia naturalista, na maioria das vezes. Queira ele ou não, trata-se de uma construção dogmática (e, pode ter certeza, isso dói nele – bem sei disso, hehe). Do mesmo modo age aquele que se utiliza de uma explicação religiosa para tais hipóteses originárias: está a estabelecer um dogma religioso como verdade.

Considerando o exposto, não podemos falar que há vantagem em quaisquer posicionamentos a respeito do dilema inicial, havendo um grau de subjetividade considerável em sua elaboração, a partir de experiências de vida próprias a cada um, que acabam definindo o nosso modo de pensar e de construir uma lógica acerca do tema. Ninguém sabe se há planejamento ou se tudo é resultado do caos. Tudo o que podemos fazer, a partir da concepção de nossa instigante ignorância, é buscar planejar a nossa vida em meio a esse caos. Ou bagunçá-la um bocado, para sairmos dessa rotina constantemente planejada...

terça-feira, 22 de maio de 2012

O monólito de Kubrick







ATENÇÃO: Há Spoiler neste texto. Quem não viu e não deseja ter estragada a surpresa, favor ir urgentemente assistir a esta obra-prima.


Trata-se da grande obra-prima da ficção científica, e talvez do cinema como um todo, 2001: A Space Odissey (2001: uma Odisséia no Espaço), de Stanley Kubrick, cujo roteiro foi escrito pelo grande diretor em conjunto com Arthur C. Clarke, que também lançou o livro homônimo no mesmo ano de 1968, finalizando um projeto idealizado por ambos desde o início daquela década. Enquanto Clarke possuía o incrível dom de criar cenários criativos e verossímeis, sob o ponto de vista científico, através da palavra escrita, Kubrick tinha como característica notável o fato de ser um exímio compositor de cenas soberbas e tecnicamente perfeitas, quanto ao cinema, sempre buscando o arranjo da trilha sonora ideal à movimentação de imagens. Logo, nota-se que esse casamento não poderia redundar em nada menos do que na grande obra do século (ao menos, é a obra que sintetiza com perfeição o estado humano contemporâneo, na sua relação incipiente com as novas inteligências, o novo conceito de território e exploração do espaço, bem como a presença de velhos dilemas e a velha curiosidade diante do inusitado e desconhecido).  

O início da obra é denominado como “A Aurora do Homem”, em que se apresenta a relação do homem primata com a natureza, cujos desafios impostos exigem o avanço da inteligência, a fim de que seja possível dominar aquele habitat hostil. A tribo desses ancestrais comuns aos símios é demonstrada como frágil, sucumbindo diante das feras, como na cena do ataque de um felino a um indivíduo. O que gera a mudança, então? Um estranho monólito encravado no cenário desértico da África, cuja origem se deduz alienígena, mas que em nenhum momento do filme se mostra (aliás, uma bela sacada!). Os primatas demonstram curiosidade pelo novo e, ao mesmo passo, relutam em tocá-lo. Através dessa experiência transcendental, os hominídeos passam a utilizar as ossadas como arma, a partir de um insight primitivo de um dos indivíduos, em que ele percebe o efeito do choque do osso sobre os demais objetos. Desta forma, aquela tribo conseguiu caçar com mais eficiência, bem como introduziu uma vantagem tecnológica em relação às demais tribos, concorrentes aos recursos escassos daquela região, com o uso dos ossos para fins bélicos. O filme sugere, portanto, que o monólito foi o motor do conhecimento, sendo responsável pelo grande passo dado pelos primatas. 

Falando em grande passo, Kubrick deu um salto gigantesco no tempo, numa cena que, com certeza, está entre as mais brilhantes de toda história do cinema. Em uma vitória da tribo desses hominídeos, um dos indivíduos, festejando a conquista, solta o osso no ar. Com a câmera registrando o movimento do osso, em sua queda, dá-se um corte imediato para uma imagem no ano de 2001 (ou seja, para o futuro distante em relação a 1968, ano do filme) de uma espaçonave, similar em forma ao osso, se locomovendo no espaço sideral, ao som de “O Danúbio Azul”, de Johann Strauss II. As palavras não bastam para descrever esse take! É de uma genialidade soberba! De um gosto e sentido estético absurdamente acima da média. Tão somente por esta cena, Kubrick resume a essência do cinema, em que pese haver uma dezena de cenas neste filme que poderiam muito bem cumprir tal papel. 

Esta seria, digamos, a segunda parte do filme, embora não seja introduzida por legenda, como nas demais. Após o maravilhamento daquela cena anterior, somos introduzidos na nave, em que nos é mostrado o cenário Kubrickiano (como em outros grandes filmes do diretor, nota-se um cenário com muito espaço, móveis assimétricos, dotados de cores extravagantes, causando uma sensação de que vivemos num futuro em que a estética de vanguarda predomina, numa substituição aos padrões clássicos, denotando a peculiaridade daquele momento vivido, bem como o império da insanidade. É assim em Clockwork Orange e em The Shining, só para citar os exemplos mais óbvios), a partir de um diálogo um tanto quanto confuso de dois agentes espaciais. Logo se percebe que Dr. Floyd, um dos agentes do primeiro diálogo do filme, possui um cargo de prestígio, bem como detém consigo informações de extrema relevância para a trama. Antes disso, porém, é importante ressaltar uma cena: o momento em que ele entra na cabine telefônica para se comunicar com sua filha. Vê-se o gênio premonitório de Kubrick em ação, pois eles se comunicam por um sistema de videoconferência. Ora, nada mais é do que uma tecnologia precursora do Skype! Brincadeiras à parte, de fato há aí uma bela demonstração da capacidade criativa deste diretor. Se não era possível em 2001, foi possível em meados da primeira década do presente século! Voltando à trama, Dr. Floyd, que naquele momento estava na Estação Espacial Internacional, tem como objetivo ir à Lua, a fim de se reunir com uma seleta cúpula, a respeito de uma descoberta revolucionária em solo lunar. 

É necessária, porém, mais uma pausa! Como passar batido pelas cenas primorosas dessa viagem feita da Estação Espacial à Lua? A primeira delas é de uma sutileza incrível e nos dá sinais do denodo de Kubrick ao realizar a película. Dr. Floyd está dormindo e sua caneta se lhe escapa. Por estar em um ambiente sem gravidade, a caneta flutua no ar, como se estivesse dançando a mais bela valsa de Strauss. Eu lamento muito deter a informação de como Kubrick filmara tal proeza (lembrem-se que naquela época não havia computação gráfica!), pois assisti ao “making of”, sendo que lá há a explicação de como o diretor a realizara. Lamento, sim, pois o meu arrebatamento diante da cena não permitia que eu tomasse conhecimento de como procedera o diretor. Eu preferiria imaginar que aquilo se tratasse de mágica! Essa é uma das grandes cenas que eu citara anteriormente. Somente um gênio se atentaria a isso. Coisas de Kubrick...Bom, voltando à cena, a caneta é recolhida por uma espécie de aeromoça. Esta, após, se dirige, e aí entra a segunda cena, à cabine dos astronautas, a fim de lhes servir a refeição. Porém, para chegar até lá, ela necessariamente tem de ficar de cabeça para baixo (em relação ao referencial da câmera, pois não há cima e baixo em um ambiente de gravidade zero) para que possa adentrar o recinto. Novamente, temos um diretor perfeccionista que busca o máximo de recursos para nos transmitir a ideia efetiva de que estamos visualizando algo peculiar ao movimento no espaço. A cena é, novamente, espetacular!

Ao pousar na Lua (é evidente que há outras cenas embasbacantes neste meio tempo, mas vamos avançar), na reunião, finalmente, se revela o segredo: foi descoberta uma evidência de vida inteligente fora da Terra. Como se descobriu? A partir da constatação de um bizarro campo magnético partindo da cratera Tycho (em homenagem ao astrônomo Tycho Brahe – 1546 a 1601 – cujo maior legado foi o método de observação dos astros, resultando suas próprias observações em dados que serviram a Kepler, para que este formulasse as Três Leis do movimento planetário). Ao escavarem-na, descobriu-se um monólito, idêntico ao retratado na era primitiva do homem. Conforme os cientistas, seria impossível aquele monólito ser resultado da natureza geológica da Lua, só podendo mesmo ter sido colocado deliberadamente ali. Descobriu-se, também, que o monólito enviava sinais para Júpiter, o que ensejou a terceira parte do filme.

Este capítulo é denominado como “Missão Júpiter: 18 meses depois”, no qual 5 tripulantes da nave Discovery 1 são encarregados de desvendar o mistério do planeta gigante. Três deles se encontravam em estado de hibernação, tendo em vista que seus conhecimentos só seriam utilizados a partir do pouso. Os outros dois eram responsáveis pelo controle humano da nave. Porém, o grande responsável pelo funcionamento da missão era o supercomputador HAL 9000, cuja capacidade de informação sobrepujaria a mais bem dotada máquina atual. A escolha do nome é interessante, pois se nos atentarmos um bocado notaremos que as três letras precedem, respectivamente, IBM. Ora, naquela época esta empresa detinha o controle absoluto da informática. Em um comparativo, a IBM representava, na década de 60, o que Google, Apple e Microsoft representam hoje juntos. A primeira dúvida: isso foi realmente intencional? A segunda dúvida: sendo intencional, isso foi uma homenagem ou uma crítica? Bom, a julgar pelo caráter do computador, estaríamos inclinados a entender que se tratasse de crítica. O HAL, em suas falas, sempre demonstrou um orgulho atroz por sua dita infalibilidade. Entre tantas outras interpretações, poderíamos entender que há uma referência ao status da IBM de monopolista de mercado. Considerando que conhecimento é poder, e sendo o HAL uma máquina com capacidade incrível de deter informações, isto é, com potencial gigantesco de conhecimento, deduz-se que o supercomputador detém o poder. Tal como a IBM detinha à época. 

 A respeito do temperamento da máquina, é necessário frisar que o comportamento dos homens é de uma frivolidade assustadora. Em uma das cenas, Frank Poole, um dos dois astronautas responsáveis pela viagem, recebe um vídeo de seus pais que o parabenizam por seu aniversário. Ele lhe assiste sem transmitir emoção alguma. O outro astronauta, David Bowman, demonstra seu temperamento robótico através dos diálogos com o HAL, sempre se mantendo em uma linha de neutralidade, sem esboçar reações, mesmo nos momentos de maior aflição e tensão. É a inversão da lógica, considerando que HAL demonstra a todo o momento seu orgulho, manifestando, assim, uma emoção tipicamente humana. A evolução da civilização humana nos levaria a uma falta de empatia, bem como à primazia da racionalidade. Contudo, a evolução da informática tornaria os computadores cada vez mais dotados de emoção, a partir da maior complexidade dos circuitos elétricos e capacidade de informação. É uma espécie de paradoxo que se vislumbra. Afinal de contas, para onde a evolução nos leva? Nota-se que o tema evolução é constante no filme, dado que o princípio da humanidade fora retratado sob o prisma do darwinismo, em seu primeiro “capítulo”.

Tratei, anteriormente, de momentos de tensão entre o HAL e os astronautas. O que originou tal aflição foi o fato de que o computador transmitiu falsas informações a respeito de um compartimento externo à nave, acusando uma eventual falha que levaria ao colapso do sistema em 72 horas. Bowman se dirigiu até lá através de uma cápsula que lhe permitiu a aproximação ao problema verificado. A cena é sublime, pois denota a dificuldade da operação, em que o movimento tem de ser perfeito a fim de que o astronauta não se perca pelo espaço sideral, assim como se passa lentamente, transmitindo com o máximo de verossimilhança a locomoção nessas condições. Ao retornar à nave, foi constatado que não havia problema. Caracteriza-se, então, a primeira falha da série de computadores HAL 9000. Quando questionado pelos astronautas, a empáfia da máquina surge mais uma vez, ao afirmar que só poderia se tratar de erro humano, porquanto era infalível. Afirmou, categoricamente, que jamais cometera um erro sequer. Desconfiados, os astronautas arrumam um subterfúgio para se isolarem na cápsula, a fim de que conversassem sem que o HAL pudesse lhes ouvir. Lá, eles travam um diálogo cortante, em que sugerem o desligamento do computador, por desconfiarem de sua eficiência, o que poderia pôr em risco a missão e, por conseguinte, suas vidas. Contudo, eles não contavam com o poder de dedução de HAL, que, através da janela pela qual os rostos de ambos apareciam em seu campo de visão, fez leitura labial do diálogo, detendo a informação do intento dos reticentes cosmonautas. 

A partir disto, HAL passa a surtar, agindo de forma a boicotá-los, pois seu orgulho não admitia que reles humanos assumissem o controle de uma missão de tal envergadura. Deste modo, quando Poole foi recolocar o compartimento, na área externa, o computador agiu para tirá-lo da órbita, fazendo com que se perdesse pelo espaço, em uma cena das mais terríveis na história do cinema (poderia muito bem concorrer a uma das melhores cenas do gênero terror). Bowman, a partir da cápsula, que era dotada de braços robóticos, foi em busca de seu colega, em uma perseguição angustiante, logrando êxito. Ao mesmo tempo, HAL desligou determinadas funções as quais eram responsáveis pela hibernação dos outros 3 cientistas, levando-os à morte. No retorno de Bowman à nave, a partir da cápsula que tinha em “mãos” Poole, HAL se negou a abrir a porta, expondo a sua frustração ao desnorteado astronauta, afirmando que os humanos colocariam a missão em risco, se o desligassem. Restou, assim, ao Bowman uma única alternativa: soltar, com os braços robóticos da cápsula, o combalido Poole, fazendo com que este se perdesse no espaço, a fim de retirar a porta à força. Temos aí outra grande sequência do filme, a partir da qual o indignado cosmonauta visa tão somente à morte da máquina, isto é, desativando as suas funções elétricas. HAL, desesperadamente, tenta convencê-lo do contrário, alegando que não repetirá mais as últimas ações e insinuando o perigo deste desligamento, tendo em vista que o computador controlava todas as funções da nave. Bowman não lhe dá ouvidos e executa a sua morte, que é precedida de um momento singelo, em que HAL canta a música que ele próprio cantara em seu “nascimento”. Percebe-se, mais uma vez, a humanização da máquina, que, diante da morte iminente, recorda momentos importantes de sua vida. 

Entramos, então, no quarto e derradeiro capítulo, denominado como “ Júpiter e Além do Infinito”. Esse é o momento mais controverso do filme, pois Kubrick não fez questão alguma de ser claro quanto a sua intenção. Temos um Bowman surtado que, ao se aproximar de Júpiter (destaque para as imagens do planeta cercado por seus satélites – 66 no total, tendo Europa, Io, Ganímedes e Calisto como os maiores e principais, por serem os quatro famosos satélites visualizados por Galileu através de um telescópio de pequeno porte na Terra), é tomado por uma enxurrada de luzes psicodélicas, com imagens galáticas, e, posteriormente, estruturas montanhosas em cores extravagantes, como se a nave estivesse penetrando na atmosfera do planeta. Há espaço para muita interpretação nestas imagens. Há quem diga haver uma sugestão de sexualidade de natureza interplanetária, através de imagens que lembram o útero, óvulos e a penetração de espermatozoide. As luzes são entrecortadas por imagens do astronauta em estado de choque, de uma forma tipicamente Kubrickiana. Após uma overdose de psicodelia à la Pink Floyd, há a sequência final do filme, altamente metafórica, na qual Bowman, já mais idoso, se enxerga sentado, mais velho ainda. Após, o Bowman sentado, se enxerga numa cama, decrepitamente velho. Este, por fim, estende o dedo ao vislumbrar o monólito em frente à cama. A partir disso, ele se transforma num feto. A cena final é com o mesmo bebê, só que em proporção planetária, observando a Terra, aproximando-se dela cada vez mais. Um final espetacular para um filme perfeito!

O que realmente significa este final? Impossível dar uma resposta única. A minha interpretação é no sentido de que o bebê representa o grande e, talvez, último salto da humanidade, perpetrado por inteligência extraterrestre a partir do monólito. A presença do monólito sempre representou, no filme, um impulso dado por força exterior ao homem, para que este evoluísse em proporção exponencial. O bebê seria, então, a espécie humana chegando ao ápice evolutivo, aproximando-se cada vez mais da capacidade tecnológica e moral desses extraterrestres. As luzes poderiam representar a natureza etérea desses seres alienígenas, que já estariam em um plano superior de matéria. O Bowman idoso poderia representar a evolução do homem a passos rápidos, a partir do contato com o monólito. Ele rapidamente atingiu a velhice, tornando-se ultrapassado, por estar próximo dessa catapulta evolutiva. Neste caso, seria pura metáfora, sendo Bowman a representação da espécie humana no estágio atual.

Porém, podemos ir além. O que afinal de contas representa o monólito? Dentro da lógica do filme, está claro o seu papel. Mas numa lógica conotativa, digamos assim? Seria uma representação dos grandes insights da humanidade, tal como a descoberta do fogo, a agricultura, a moeda, a navegação, as grandes descobertas científicas etc? Seria uma tentativa de provar que ao homem só é possível um grande avanço a partir de uma indução externa, seja divina ou extraterrestre? E o HAL? O que representa esta máquina? O dilema ético da evolução de sistemas robóticos e de informática entra em ação, é claro. Mas o que mais pode se deduzir? Há uma supremacia da máquina sobre o homem, ou se mostra o contrário? Quais são os limites de poder e responsabilidade que podemos permitir a uma máquina de extrema inteligência?

A resposta para tudo isso quem dá é o próprio Kubrick:

“Eu tentei criar uma experiência visual, que se desviasse do campo das palavras e penetrasse diretamente no subconsciente com um teor emocional e filosófico. Projetei o filme para ser uma experiência subjetiva intensa, que atinja o espectador num nível profundo de consciência, exatamente como a música faz, ou a pintura. Você está livre para especular como quiser sobre o sentido filosófico e alegórico do filme.”

Basta-nos assumir nossa liberdade de especulação e deixar que os nossos sentidos perscrutem este mundo incrível de beleza artística incomparável. Talvez este filme seja o monólito do cinema, pois não há cineasta que não o tenha tocado com curiosidade e receio, e que não tenha se transformado como artista. Eis o que o alienígena Kubrick nos oferece...

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Adendo ao texto "Ideologia da liberdade e liberdade de ideologia"

Fonte do desenho: http://luizreginaldo.blogspot.com.br/2011/09/caracteristicas-gerais-do-que-e.html


Foi noticiada uma tese do primatologista Frans de Waal no sentido de que os humanos podem ser naturalmente pacíficos, ou que, ao menos, não há comprovação científica de que somos naturalmente violentos.

Como os assíduos leitores do blog sabem (uns dois ou três), o texto "Ideologia da liberdade e liberdade de ideologia" trata sobre as distinções filosóficas quanto à origem do homem e sua natureza, sendo que a partir dessas há as mais diversas construções ideológicas, quase sempre colidentes nos campos político, econômico e social. Defendi, naquele texto, que, por falta de comprovação científica acerca das nossas origens, há espaço para toda sorte de construção filosófica e, consequentemente, ideológica.

A partir dessa tese lançada recentemente, julgo que me aproximei da melhor resposta sobre tal tema: por falta de cientificidade, não há falar em melhor compreensão histórica da nossa natureza, seja para que lado for nossa convicção.

Podemos ter a liberdade de escolher nossas versões da história, mas jamais poderemos ter a arrogância de supor que conhecemos uma versão superior.

Deste modo, quando se debatem ideologias, cujas origens derivam do fenômeno "natureza humana", realiza-se um exercício de manifestação dogmática, em que ambas as partes já possuem como pressuposto deterem a melhor concepção de mundo, bastando-lhe convencer outrem de seu achado.

Ora, se somos incapazes, instrumentalmente, de medir qual é, de fato, a nossa natureza, se essencialmente boa ou má, não podemos julgar que uma ideologia seja superior à outra, sendo que ambas são construídas a partir de visões filosóficas diferentes acerca de nossas origens. Ou seja: o que faz construir a ideologia política, econômia e social, é uma tese filosófica que não passa de suposição, não amparada por evidências, independente do rumo tomado. É claro que não é possível exigir cientificidade de filosofia, considerando tratarem-se de epistemologias diversas. Entretanto, sobre a política, economia e sociologia constroem-se, ou pretendem-se, ciências! Porém, sob suas enormes construções, há uma frágil base, num prisma científico.

Sabemos bem que, se a base não é boa, a edificação tende a ruir. E quanto maior o prédio, maior o desastre...

Devemos jogar a toalha? Devemos abandonar o estudo político, econômico e social?

Evidentemente que não! Contudo, não há nada errado em colocar os pingos nos is. Retirando a cientificidade indevidamente atribuída a esses campos do conhecimento, talvez se construam escolas de pensamento mais honestas e menos comprometidas com interesses políticos, eleitoreiros e de grupos sociais.

Ao mesmo passo, não devemos abandonar o estudo antropológico, histórico e arqueológico, a fim de que busquemos as pistas para solucionar essa questão primordial da filosofia que tanto nos inquieta.

Outras questões que surgem são as seguintes: necessariamente temos de retomar a nossa natureza primordial? Não podemos ter uma mudança de postura a partir de um desenvolvimento cultural? Até que ponto é negativa nossa metamorfose comportamental?

Dependendo das respostas, teremos outras escolas filosóficas e, assim, ideologias que se assentarão, conforme a via escolhida.

Em síntese, ao que parece as ideologias invariavelmente são meras escolhas, independentemente de bases científicas. Sendo a tomada de escolhas uma atitude que cabe à individualidade, não podemos, então, considerar que é possível encontrarmos uma saída objetiva para tal questão.

Assim, seguimos com liberdade de ideologia, em que pese a ideologia da liberdade jamais poder ser definida com precisão.

sábado, 5 de maio de 2012

Resfriando o aquecimento global




Um dos temas mais caros da humanidade, na atualidade, diz respeito às mudanças climáticas da Terra, que seriam provocadas pela crescente atividade produtiva do homem, segundo a hipótese do aquecimento global por razões antropogênicas.

Segundo esta corrente dominante, a influência humana para o aquecimento do clima terrestre residiria na produção acelerada de CO² (dióxido de carbono), CFC's (clorofluorcarboneto) e CH4 (gás metano), os quais seriam responsáveis pelo aumento do efeito estufa, bem como, no caso dos CFC's, em relação ao buraco na camada de ozônio. Tais atividades influenciariam na elevação do aquecimento global, gerando fenômenos de potencial destrutivo a longo prazo, tais como o degelo de grande parte dos blocos polares, o que elevaria o nível dos mares, redundando em catástrofes sem precedentes na história. Além dos humanos, a flatulência de ovinos e bovinos é tida como uma das grandes vilãs do aquecimento global, pela emissão do gás metano. Evidentemente, por vias indiretas, critica-se a ação humana, quanto ao crescente cultivo desses animais a fim alimentício, sendo esse um dos argumentos utilizados por ativistas vegetarianos em sua propaganda contrária ao consumo de carne.

São de conhecimento geral os princípios que regem essa corrente, tendo em vista serem propalados exaustivamente por todos os meios informativos possíveis, sendo, portanto, desnecessário explicar o que é o aquecimento global. É demasiado necessário, sim, urgindo um lugar definido na mídia, expor a corrente contrária à hipótese narrada acima, denominada como cética. A tese desses cientistas corajosos - criticar o senso comum geralmente não é tarefa fácil – é de que as mudanças climáticas possuem causas tão somente naturais, considerando-se que as atividades humanas teriam participação irrisória na emissão das moléculas tidas como vilãs, pelos “aquecimentistas”.

De acordo com os céticos, os principais agentes responsáveis pelo clima na Terra são o Sol, as atividades vulcânicas e os oceanos, correspondendo estes fatores a 99,99% das causas para o estabelecimento do clima no nosso planeta. Como resposta às estatísticas mostradas pelos “aquecimentistas”, apresentam dados que ligam diretamente as atividades solares ao aumento ou resfriamento de temperatura na Terra. Quanto maior a presença de manchas solares – havendo, portanto, maior atividade solar -, mais quente, no mesmo período, encontrava-se o clima global. E, no contrário, havia resfriamento. Ato contínuo, apresentam dados que refutam a tese de que a emissão de dióxido de carbono faz aquecer o clima terráqueo. Pelo contrário, alegam que a maior produção de CO² é consequência do aumento de temperatura. É o que se constata dos quadros apresentados pelos climatologistas céticos, tendo em vista que se verifica o aumento de presença de dióxido de carbono em anos posteriores aos registros de elevação de temperatura. A tese que embasa tal argumento vai no sentido de que com o aumento de radiação solar incidindo sobre os oceanos, que compõem ¾ da Terra, há uma elevada liberação do CO². Quando a Terra está resfriada, os oceanos absorvem CO². Logo, para os céticos, os defensores do aquecimento global antropogênico estão invertendo a lógica!

Ademais, segundo os céticos, a presença de dióxido de carbono na atmosfera é pequena em proporção, sendo bastante improvável que pudessem gerar um desequilíbrio climático. Aliás, o CO² emitido pelo homem representa uma parcela ínfima da produção deste composto químico, sendo em grande maioria gerado pela emissão dos oceanos, já tratada anteriormente, e pelos vulcões ativos. Deste modo, não se justificaria o alarde promovido pelos “aquecimentistas”, pois de nada adiantaria reduzir as taxas de produção humana desses compostos, porquanto são pífias no comparativo com os agentes naturais. Para corroborar tal argumento, há estudos históricos que apontam ter havido em momentos pretéritos – numa escala de milhares de anos - uma presença de CO² na atmosfera bastante superior à atual, sem que tenha havido alguma calamidade em decorrência disso, ao mesmo passo em que demonstra o caráter natural de emissão do gás, absolutamente independente da ação humana. Outro argumento expendido é quanto ao fato de que entre 1940 e 1975 observou-se um resfriamento da Terra, sendo que nesse momento houve a maior produção humana de CO² já registrada até então.

Há, inclusive, quem defenda o caráter mítico dos buracos na camada de ozônio, bem como a influência do efeito estufa no clima, porém não são uníssonas tais posições entre os céticos. Entretanto, é de se verificar tais estudos, sem preconceito, pois os argumentos de ambos os lados parecem plausíveis.

Por fim, é de se noticiar que James Lovelock, um dos mais proeminentes defensores do aquecimento global por razões humanas, tido como um dos líderes desta corrente, deu uma entrevista polêmica, na qual admite que exagerara em suas predições, afirmando ser possível considerar que errara pelo fato de ser um autor independente, enquanto os cientistas ligados a entidades governamentais estariam comprometidos sobremaneira com a causa, podendo perder seus empregos, caso admitissem falhas nas previsões catastróficas que o cenário do aquecimento global demonstra em seus modelos, a longo prazo. Nota-se, então, que a hipótese apocalíptica das mudanças climáticas está resfriando, em que pese a falta de espaço proporcionada aos cientistas céticos. No jogo infantil do “está quente, está frio” ( jogo em que escondíamos um objeto, para que outras pessoas o procurassem, cuja dica residia em dizer “está quente”, quando próximo, e “está frio”, quando distante ), em busca pela verdade, aquele que a escondeu diria aos obstinados caçadores: “vocês estão na Groenlândia! Tão frio que nem o aquecimento global dá conta de esquentá-la”! O problema é que o hipotético sujeito a colocou em lugar tão obscuro que nem o próprio sabe onde a verdade está! E agora se pergunta: em quem acreditar? Nos cientistas do apocalipse, ligados aos governos, portanto sujeitos a vontades políticas, ou nos cientistas céticos, que podem, eventualmente, estar ligados a entidades privadas que possuem interesse na negação da hipótese do aquecimento? Desejamos que essa discussão seja, de fato, tão somente científica, distanciando-se o máximo possível de fatores políticos e/ou ideológicos. E que haja igualdade de tratamento! Sem dogmatismos, sem doxas. Queremos somente encontrar a verdade, mesmo que bem escondida.

Seguem alguns links importantes para apreciação do tema: