Nebulosa Helix - conhecida por leigos como "O Olho de Deus" |
O homem tem como uma de
suas principais características a constante reflexão acerca de sua
existência, do sentido da vida e da criação do Universo. Por trás
dos conceitos que decorrem destas indagações, há o conflito de
duas hipóteses primordiais, quais sejam: tudo isso é planejado ou
os fatos são meras sucessões de casualidades em meio ao caos? A
partir desse questionamento é que criamos conceitos, dogmas,
preconceitos e teses científicas, religiosas ou filosóficas.
Ao analisarmos a
história das civilizações, deparamo-nos com uma constante entre os
homens que tende radicalmente para a primeira hipótese (tudo é
planejado), considerando a construção religiosa em quaisquer tribos
primitivas, a partir dos registros cuneiformes, hieróglifos etc.
Isso não comprova a verdade desta hipótese, mas escancara, sim, a
tendência humana em crer no planejamento divino para as ocorrências
mundanas.
Observa-se que há uma
tendência de evolução teológica em quaisquer sociedades, partindo
quase sempre de um panteísmo, perpassando por um estágio politeísta
e, ao cabo, redundando em uma fase monoteísta. Ao mesmo passo, é de
se notar que tal evolução acompanha o progresso científico dessas
sociedades. Na fase panteísta, por exemplo, todas as ocorrências
naturais são consideradas manifestações divinas diretas. A partir
de um momento em que a sociedade evolui a um ponto em que observa o
caráter natural de determinado fenômeno, um passa a questionar o
dogma vigente. Instalada a crise, decorrem-se muitos anos até que
aquela sociedade avance de estágio. Normalmente, parte-se para uma
visão politeísta, havendo vários deuses funcionais e que são
encarregados pelas diversas manifestações terrenas (nota-se que
diverge do sistema panteísta, pois neste os próprios fenômenos são
deuses). É possível, não obstante, haver uma passagem direta ao
monoteísmo, o que é bastante incomum na história das civilizações.
O ordinário é o monoteísmo substituir o politeísmo, que acaba
desgastado pelo incremento tecnológico da sociedade, com o qual
alcança uma construção científica mais apurada, denotando a
independência dos fenômenos em relação aos deuses.
Entretanto, a ciência
possui limites bem claros e dela não se espera uma perfeita resposta
para os dilemas apresentados. O máximo que o sistema científico
pode propor é a falsidade de determinadas proposições filosóficas
e/ou religiosas, mas jamais suas integralidades. A ciência, por mais
que se aprimore, parece que sempre deixará a lacuna da divindade
aberta. Contudo, é notório que essa lacuna está cada vez mais
estreita, tendo em vista alguns baques ao status quo estabelecidos a
partir de teses científicas revolucionárias, tais como o sistema
heliocêntrico de Copérnico (já levantado, primitivamente, por
Aristarco de Samos, na Grécia Antiga, cujo sistema fora derrotado
pelo entendimento geocêntrico anterior de Aristóteles e,
posteriormente, modelado por Ptolomeu, na obra Almagesto), o suporte
observacional de Galileu e Tycho Brahe ao heliocentrismo, as leis do
movimento planetário de Kepler, a teoria da evolução de Darwin e a
teoria inflacionária do Universo (Big Bang), de Lemaitre, Gamow e
Alpher.
Tais teses, em primeiro
lugar, retiraram a Terra de uma posição central, deslocando-a para
um ponto insignificante de orbitação. Em segundo lugar, no caso da
teoria da evolução, houve o fim do antropocentrismo, a partir de
uma concepção de vida que retira o caráter especial do ser humano,
sendo tal espécie resultado de um processo evolutivo bem definido,
em que compartilhamos um ancestral comum com os símios. Em terceiro
lugar, em se tratando do Big Bang, caracterizou-se a explicação
para a origem do Universo, bem como para sua expansão observada,
anteriormente, por Hubble. No que tange à religiosidade, a polêmica
reside na explicação absolutamente independente da mão divina,
assim como contradiz o livro Gênesis da Bíblia. O sistema
religioso, depois de muita grita e sangue (Giordano Bruno, astrônomo
heliocentrista do final do século XVI, foi vítima da Santa
Inquisição Católica, por exemplo), acabou aceitando o baque
astronômico, reformulando a readaptando os respectivos dogmas.
Contudo, até hoje as religiões monoteístas, principalmente as
ligadas ao cristianismo, não aceitam a teoria darwinista e o Big
Bang, em que pese as mais variadas comprovações da existência de
um sistema evolutivo biológico muito próximo, ao menos, do previsto
por Darwin, bem como as evidências astrofísicas do modelo
inflacionário se somarem cada vez mais. É evidente que não as
aceitam devido ao fato de que tais teorias estabelecem um papel
secundário ao homem, bem como induz a uma desordem na origem da vida
e do Universo, o que não seria admitido em um planejamento divino.
Mesmo considerando tais
teses científicas, ainda sim é temerário, se não mentiroso,
afirmar que a ciência pôs fim ao problema proposto por nós.
Enquanto houver lacuna, é possível admitir a existência de entes
divinos. O homem, quando se posiciona sobre o tema, está
invariavelmente escolhendo um dogma, seja religioso ou filosófico.
Não há falar em dogma científico, pois a epistemologia da ciência
não permite tal construção. Quando um sujeito usa do conhecimento
científico para se posicionar a respeito de um tema sobre o qual a
ciência não pode dar respostas definitivas, ele está, na
realidade, construindo um dogma filosófico. O sujeito que usa da
teoria darwinista para defender seu ateísmo está se utilizando da
filosofia naturalista, na maioria das vezes. Queira ele ou não,
trata-se de uma construção dogmática (e, pode ter certeza, isso
dói nele – bem sei disso, hehe). Do mesmo modo age aquele que se
utiliza de uma explicação religiosa para tais hipóteses
originárias: está a estabelecer um dogma religioso como verdade.
Considerando o exposto,
não podemos falar que há vantagem em quaisquer posicionamentos a
respeito do dilema inicial, havendo um grau de subjetividade
considerável em sua elaboração, a partir de experiências de vida
próprias a cada um, que acabam definindo o nosso modo de pensar e de
construir uma lógica acerca do tema. Ninguém sabe se há
planejamento ou se tudo é resultado do caos. Tudo o que podemos
fazer, a partir da concepção de nossa instigante ignorância, é
buscar planejar a nossa vida em meio a esse caos. Ou bagunçá-la um
bocado, para sairmos dessa rotina constantemente planejada...
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