segunda-feira, 28 de maio de 2012

O planejador caótico ou o caos planejado?


Nebulosa Helix - conhecida por leigos como "O Olho de Deus"


O homem tem como uma de suas principais características a constante reflexão acerca de sua existência, do sentido da vida e da criação do Universo. Por trás dos conceitos que decorrem destas indagações, há o conflito de duas hipóteses primordiais, quais sejam: tudo isso é planejado ou os fatos são meras sucessões de casualidades em meio ao caos? A partir desse questionamento é que criamos conceitos, dogmas, preconceitos e teses científicas, religiosas ou filosóficas.

Ao analisarmos a história das civilizações, deparamo-nos com uma constante entre os homens que tende radicalmente para a primeira hipótese (tudo é planejado), considerando a construção religiosa em quaisquer tribos primitivas, a partir dos registros cuneiformes, hieróglifos etc. Isso não comprova a verdade desta hipótese, mas escancara, sim, a tendência humana em crer no planejamento divino para as ocorrências mundanas.

Observa-se que há uma tendência de evolução teológica em quaisquer sociedades, partindo quase sempre de um panteísmo, perpassando por um estágio politeísta e, ao cabo, redundando em uma fase monoteísta. Ao mesmo passo, é de se notar que tal evolução acompanha o progresso científico dessas sociedades. Na fase panteísta, por exemplo, todas as ocorrências naturais são consideradas manifestações divinas diretas. A partir de um momento em que a sociedade evolui a um ponto em que observa o caráter natural de determinado fenômeno, um passa a questionar o dogma vigente. Instalada a crise, decorrem-se muitos anos até que aquela sociedade avance de estágio. Normalmente, parte-se para uma visão politeísta, havendo vários deuses funcionais e que são encarregados pelas diversas manifestações terrenas (nota-se que diverge do sistema panteísta, pois neste os próprios fenômenos são deuses). É possível, não obstante, haver uma passagem direta ao monoteísmo, o que é bastante incomum na história das civilizações. O ordinário é o monoteísmo substituir o politeísmo, que acaba desgastado pelo incremento tecnológico da sociedade, com o qual alcança uma construção científica mais apurada, denotando a independência dos fenômenos em relação aos deuses.

Entretanto, a ciência possui limites bem claros e dela não se espera uma perfeita resposta para os dilemas apresentados. O máximo que o sistema científico pode propor é a falsidade de determinadas proposições filosóficas e/ou religiosas, mas jamais suas integralidades. A ciência, por mais que se aprimore, parece que sempre deixará a lacuna da divindade aberta. Contudo, é notório que essa lacuna está cada vez mais estreita, tendo em vista alguns baques ao status quo estabelecidos a partir de teses científicas revolucionárias, tais como o sistema heliocêntrico de Copérnico (já levantado, primitivamente, por Aristarco de Samos, na Grécia Antiga, cujo sistema fora derrotado pelo entendimento geocêntrico anterior de Aristóteles e, posteriormente, modelado por Ptolomeu, na obra Almagesto), o suporte observacional de Galileu e Tycho Brahe ao heliocentrismo, as leis do movimento planetário de Kepler, a teoria da evolução de Darwin e a teoria inflacionária do Universo (Big Bang), de Lemaitre, Gamow e Alpher.

Tais teses, em primeiro lugar, retiraram a Terra de uma posição central, deslocando-a para um ponto insignificante de orbitação. Em segundo lugar, no caso da teoria da evolução, houve o fim do antropocentrismo, a partir de uma concepção de vida que retira o caráter especial do ser humano, sendo tal espécie resultado de um processo evolutivo bem definido, em que compartilhamos um ancestral comum com os símios. Em terceiro lugar, em se tratando do Big Bang, caracterizou-se a explicação para a origem do Universo, bem como para sua expansão observada, anteriormente, por Hubble. No que tange à religiosidade, a polêmica reside na explicação absolutamente independente da mão divina, assim como contradiz o livro Gênesis da Bíblia. O sistema religioso, depois de muita grita e sangue (Giordano Bruno, astrônomo heliocentrista do final do século XVI, foi vítima da Santa Inquisição Católica, por exemplo), acabou aceitando o baque astronômico, reformulando a readaptando os respectivos dogmas. Contudo, até hoje as religiões monoteístas, principalmente as ligadas ao cristianismo, não aceitam a teoria darwinista e o Big Bang, em que pese as mais variadas comprovações da existência de um sistema evolutivo biológico muito próximo, ao menos, do previsto por Darwin, bem como as evidências astrofísicas do modelo inflacionário se somarem cada vez mais. É evidente que não as aceitam devido ao fato de que tais teorias estabelecem um papel secundário ao homem, bem como induz a uma desordem na origem da vida e do Universo, o que não seria admitido em um planejamento divino.

Mesmo considerando tais teses científicas, ainda sim é temerário, se não mentiroso, afirmar que a ciência pôs fim ao problema proposto por nós. Enquanto houver lacuna, é possível admitir a existência de entes divinos. O homem, quando se posiciona sobre o tema, está invariavelmente escolhendo um dogma, seja religioso ou filosófico. Não há falar em dogma científico, pois a epistemologia da ciência não permite tal construção. Quando um sujeito usa do conhecimento científico para se posicionar a respeito de um tema sobre o qual a ciência não pode dar respostas definitivas, ele está, na realidade, construindo um dogma filosófico. O sujeito que usa da teoria darwinista para defender seu ateísmo está se utilizando da filosofia naturalista, na maioria das vezes. Queira ele ou não, trata-se de uma construção dogmática (e, pode ter certeza, isso dói nele – bem sei disso, hehe). Do mesmo modo age aquele que se utiliza de uma explicação religiosa para tais hipóteses originárias: está a estabelecer um dogma religioso como verdade.

Considerando o exposto, não podemos falar que há vantagem em quaisquer posicionamentos a respeito do dilema inicial, havendo um grau de subjetividade considerável em sua elaboração, a partir de experiências de vida próprias a cada um, que acabam definindo o nosso modo de pensar e de construir uma lógica acerca do tema. Ninguém sabe se há planejamento ou se tudo é resultado do caos. Tudo o que podemos fazer, a partir da concepção de nossa instigante ignorância, é buscar planejar a nossa vida em meio a esse caos. Ou bagunçá-la um bocado, para sairmos dessa rotina constantemente planejada...

Nenhum comentário:

Postar um comentário